Servidores de carreiras ligadas à Cultura defenderam, na terça-feira (29), a implantação do Plano das Carreiras dos Cargos da Cultura (PCCult). A discussão se deu em audiência pública da Comissão de Educação e Cultura (CE) feita a pedido do presidente da comissão, senador Flávio Arns (PSB-PR) para discutir o plano, que busca reestruturar as carreiras dos servidores públicos federais que atuam na área.
O PCCult foi apresentado pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, à ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, em agosto. Resultado de discussões em um grupo de trabalho do Ministério da Cultura, a proposta inclui os servidores da pasta e das instituições vinculadas, como a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Fundação Cultural Palmares (FCP), Fundação Nacional de Artes (Funarte), Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O objetivo é promover uma abordagem transversal que beneficie toda a administração pública federal envolvida com políticas culturais.
Na audiência, o plano foi apresentado pelo secretário-executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares dos Santos. São cargos de nível superior e intermediário, divididos em quatro classes, com 20 padrões remuneratórios. O tempo entre os padrões é de 12 meses, ou seja: o servidor alcança o topo da carreira após 20 anos. Também há a proposta de criação de 3 mil cargos, a maior parte para nível superior. A estrutura de remuneração tem vencimento básico, gratificação de apoio, com uma parcela variável, e gratificação de localização, para áreas de fronteira e interior, localidades em que há dificuldade de manter servidores.
Ao defender o plano, o secretário lembrou que, desde 2023 o Brasil atingiu um novo patamar de investimento público em cultura, com a Política Nacional Aldir Blanc ( Lei 14.399, de 2022 ) e a Lei Paulo Gustavo ( Lei Complementar 195, de 2022 ). O investimento em fomento direto será de R$ 18 bilhões até 2027. Graças ao trabalho dos servidores, disse o secretário, foi alcançada no ano passado a adesão recorde de 97% dos municípios e 100% dos estados.
— É a política de adesão federativa de maior sucesso da história, fruto do trabalho incansável desses servidores. (...) Nós temos uma enorme diversidade de iniciativas dentro do escopo do Ministério da Cultura, só que, ao mesmo tempo, nós temos um nível de evasão entre os nossos servidores incompatível com a dedicação desses servidores ao trabalho.
Evasão
Thaís Werneck, representante do Fórum das Associações dos Servidores da Cultura, falou em nome dos servidores do Ministério da Cultura (MinC) e das instituições vinculadas. Ela explicou que o trabalho feito pelos servidores desse setor é muito qualificado e inclui, por exemplo, os conservadores e restauradores, que trabalharam para restaurar os danos dos ataques antidemocráticos do 8 de janeiro.
— Mesmo os colegas que chegam dentro daqueles cargos para qualquer formação acabam se especializando muito porque nossas pautas são muito específicas, é preciso construir um conhecimento muito qualificado, muito especializado, para trabalhar na área da cultura. Os nossos colegas que estão trabalhando na área administrativa lidam com normativos muito específicos. É um conhecimento realmente muito particular dos nossos colegas da Cultura. Ouso dizer que esses profissionais não serão encontrados em nenhum outro órgão — explicou.
Apesar de toda a especialização, na visão da representante do fórum, os servidores são desvalorizados, recebem salários mais baixos que os de outras carreiras e não têm perspectivas de crescimento. Para ela, a falta de uma carreira estruturada da Cultura acaba gerando evasão.
Marcos de Brum Lopes, representante dos servidores do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) apresentou números sobre a diminuição a força de trabalho no instituto. Em 2010, de acordo com números apresentados por ele, eram 744 servidores, contra 331 em março deste ano. A maior parte das perdas tem como razão a aposentadoria de servidores, seguida da posse em outros cargos. Até 2028, a projeção é de mais 60 pessoas que vão poder se aposentar.
— Nós trabalhamos, hoje, no Ibram, com 56% de encolhimento da nossa força de trabalho. É uma média anual de 4% de diminuição dessa força de trabalho, insubstituível por cargos administrativos: museólogos, arqueólogos, historiadores, arquivistas, bibliotecários, antropólogos. (...) Se essa média se mantiver, nós teremos, em 2029, apenas seis trabalhadores por museu administrado pelo Ibram, que são 30. Na mesma projeção de encolhimento, quando o Ibram fizer 25 anos, a gente vai ter 31 servidores para o instituto inteiro — alertou.
Instituição
Para Jussara Griffo, diretora da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), a discussão de um plano para todos os servidores para da Cultura, em conjunto, é um avanço com relação a propostas que poderiam tratar apenas de cada instituição separada. Discutir carreira, na visão da diretora, não é apenas discutir a questão do trabalhador no setor público, mas sim de fortalecer as instituições para que não sofram retrocessos como os que já ocorreram antes na área da Cultura.
— A gente quer um ministério forte junto com as suas vinculadas, para a gente não sofrer mais a derrota da democracia que viveu o Ministério da Cultura e suas vinculadas. Foi muito cara a destruição de toda a política de cultura no país a partir da destruição do MinC e de muitas políticas das nossas vinculadas.
O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, afirmou que muitos setores da sociedade enxergam a cultura como algo menor, mas, segundo ele, a área é uma das mais transversais no Estado brasileiro, em termos de política e de direito, porque permeia todas as outras políticas públicas.
— Garantir a valorização dos servidores da cultura é fortalecer todos os ministérios, é garantir a qualidade de todas as políticas públicas, porque nós temos cultura na educação, nós temos cultura no Ministério das Mulheres, nós temos cultura no Ministério da Infraestrutura, nós temos cultura no Ministério das Cidades, em todas as ações do Governo Federal e das secretarias municipais e estaduais. Em resumo, a aprovação desse plano de carreira significa a sustentabilidade e o futuro das políticas públicas brasileiras — defendeu.
Reconstrução
Após ouvir todas as exposições, o secretário de Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, José Celso Cardoso Júnior, afirmou que todos processos de reestruturação de carreiras em curso se dão em um contexto adverso, do ponto de vista político, econômico, das contas públicas e do aparato público brasileiro, após dois governos (Temer e Bolsonaro) de “desmonte da estrutura institucional do Estado”. Na área da cultura, afirmou, o desmonte foi ainda mais radical.
Ele afirmou que, devido a todo esse contexto de reconstrução, é muito difícil negociar de maneira separada com cada carreira de cada um dos mais de 200 órgãos na estrutura federal. Por isso, as negociações para a recomposição de perdas salariais foram feitas por blocos de carreiras, a partir das representações sindicais existentes, o que já mostraria o interesse do Governo de institucionalizar um canal de diálogo com os servidores. Para ele, o PCCult ainda tem questões técnicas, jurídicas, orçamentárias e políticas que precisam ter a discussão continuada.
—A gente vai ter que constituir uma espécie de um fórum de discussão que reúna os integrantes os representantes dos órgãos do próprio ministério, assim como dos trabalhadores. Isso está no nosso horizonte, mas é preciso olhar isso dessa perspectiva de um de um prazo necessário de amadurecimento das diversas etapas que estão em curso nesse processo de reconstrução nacional e de reestruturação mais geral do setor público brasileiro — afirmou.
O senador Flávio Arns afirmou que é preciso aproveitar o momento e a boa vontade com a área da cultura para que as carreiras sejam reestruturadas. Ele colocou a comissão a disposição dos servidores para continuar discutindo o tema.
— A gente tem que batalhar por isso, porque o governo sai, mas a estrutura tem que ficar forte, boa, competente, adequada para atender a demanda. E isso vai fazer com que haja uma perenidade. Não podemos começar cada governo imaginando que o mundo foi descoberto naquele momento. Tem que ter uma política bem enfatizada de Estado, e não de governo — concluiu.
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