Os setores de comércio e serviços temem que a regulamentação da reforma tributária prevista no projeto em exame no Senado ( PLP 68/2024 ) acarrete perda de competitividade das empresas do país, pois poderá aumentar o custo tributário, principalmente para os empreendimentos que estão atualmente dentro do Simples Nacional. Representantes desses setores argumentam que, dessa forma, a tendência é que as empresas repassem adiante esse custo maior, aumentando o preço final para os consumidores.
Essa foi a avaliação apresentada durante os debates promovidos na terça-feira (3) e na quarta-feira (4) pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) . O Senado está há meses analisando a proposta de regulamentação da reforma tributária e seus impactos na economia nacional. Confira a cobertura completa .
A advogada Karoline Lima, da Câmara Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), informa que a entidade tem mais de 500 mil empresas associadas (90% delas micro e pequenas empresas), que, segundo ela, geram mais de 25 milhões de empregos no país. A grande maioria dessas micro e pequenas empresas do país optam pelo Simples Nacional e podem perder competitividade com a reforma tributária, diz Karoline.
Segundo ela, a proposta de regulamentação da reforma tributária em discussão no Senado diminui os créditos tributários que médias e grandes empresas obtêm ao comprar de micro e pequenas empresas que usam o Simples Nacional. Ou seja, os pequenos empreendimentos podem perder clientes para empresas maiores ou até para empresas estrangeiras.
— O creditamento, para quem comprar do Simples, uma empresa média e grande, vai ser um valor menor, o da alíquota paga dentro do Simples Nacional. Ou seja, as empresas que mais serão afetadas serão justamente aquelas empresas do Simples que têm como clientes empresas do lucro real e presumido. (...) Uma média e grande empresa faz planejamento tributário, coloca na conta dela, quando ela vai comprar de um fornecedor, o quanto que isso vai reverter em crédito para ela.
Também chamado de Super Simples, o Simples Nacional é o Sistema Integrado de Imposto e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte. É um regime tributário diferenciado e simplificado para favorecer as microempresas e empresas de pequeno porte. Considera-se microempresa a que obtém, a cada ano, receita bruta igual ou inferior a R$ 360 mil. Já a empresa de pequeno porte deve ter receita bruta anual superior a R$ 360 mil e igual ou inferior a R$ 4,8 milhões.
— É a micro e pequena empresa que gera emprego neste país. O pequeno empreendedor, que desenvolve o seu negócio nos cantos mais distantes, mais remotos, e nos centros do país, é que gera ali um desenvolvimento econômico na sua região. Tirar a possibilidade de aquela pequena empresa ser competitiva... A gente está falando em destruir empregos e destruir a possibilidade de desenvolvimento econômico.
A também advogada Francine Fachinello informa que o setor de serviços é o maior do PIB brasileiro e foi o que mais cresceu nos últimos três anos, com aumento de 2,3% apenas em 2023. Especialista em direito tributário, Francine diz que 60% dos empregos com carteira assinada no Brasil estão no setor de serviços.
— Ele cresce dessa forma proporcional ao desenvolvimento e à industrialização local, ou seja, o crescimento e a urbanização concentram uma maior necessidade do setor de serviços. É um dos setores mais importantes e com maior impacto na carga tributária.
De acordo com ela, o setor atualmente paga 8,65% de impostos sobre seu lucro presumido; com a reforma, essa alíquota chegará a 26,5% ou mais.
— Esse valor vai ser repassado ao consumidor. Vai dar um impacto diretamente no consumidor. Então é necessário, sim, um olhar atento para que nós possamos tentar diminuir os impactos de um setor tão importante para a economia brasileira.
Uma questão crucial, diz Francine, é que um dos maiores custos do setor de serviços é a mão de obra, que não vai gerar crédito tributário para as empresas, já que os novos tributos da reforma não incidem sobre a folha de pagamento.
— Hoje a gente fala de uma alíquota de 8,65%. Nós estamos falando da incidência de uma alíquota muito maior, 26,5%, e não dando direito a crédito (...). É um setor em que a tributação vai sofrer um aumento muito significativo e nós precisamos ter esse olhar atento do legislador para justamente diminuir esse repasse ao consumidor final e garantir aí o futuro da economia no Brasil.
Por sua vez, a especialista Márcia Sepulveda, do Observatório Político do Setor de Serviços, argumenta que a prestação de serviços envolve cadeias produtivas menores, que geram menos créditos tributários para as empresas. Ela reforça o argumento de que a folha de pagamentos de pessoal do setor de serviços já tem alta carga tributária, que poderá aumentar ainda mais com a regulamentação da reforma, mas sem créditos tributários.
Na avaliação de Felipe de Sá Tavares, da Confederação Nacional do Comércio, Serviço e Turismo (CNC), a reforma tributária aprovada pelo Congresso conseguirá a tão almejada simplificação do sistema tributário, mas dificilmente alcançará os objetivos de redução da carga tributária e de diminuição da judicialização tributária.
— A gente vai ter menos normativos e um sistema mais enxuto e mais fácil de lidar, mas a diminuição de impostos a gente não alcançou. O Brasil vai alcançar agora a posição não muito feliz de primeiro colocado do mundo em termos de alíquota; a gente vai ter a maior alíquota do planeta.
Ele disse que a CNC representa algo em torno de 30% do PIB brasileiro. Em seus cálculos, com a reforma, o setor do varejo terá 18% de aumento em sua carga tributária, e o aumento para o setor de serviços poderá ultrapassar os 80%.
— Isso não quer dizer que só é difícil para esse empresário fazer negócio; isso quer dizer que toda a cadeia que depende do varejo ou que depende do setor de serviços será impactada via sua estrutura de custos ou perda de dinamicidade nas suas vendas.
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado vem promovendo uma série de audiências públicas para debater a regulamentação da reforma tributária prevista no PLP 68/2024 . Nesta semana, o foco foi ouvir representantes dos setores de comércio e serviços.
Foram ouvidos, entre outros, representantes das seguintes entidades: Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, Associação Brasileira de Supermercados, Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços, Associação Nacional de Comerciantes para Material de Construção, Associação Brasileira de Direito Financeiro, Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação, Movimento Inovação Digital, Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Confederação Nacional de Serviços.
Também participaram dos debates os senadores Esperidião Amin (PP-SC), Sergio Moro (União-PR), Damares Alves (Republicanos-DF) e Margareth Buzetti (PSD-MT), entre outros.
Quem vem conduzindo esses debates é o senador Izalci Lucas (PL-DF), chefe do grupo de trabalho criado na CAE para apresentar sugestões de ajustes ao projeto de regulamentação, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados . O presidente da CAE é o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).
A reforma foi promulgada em dezembro de 2023, como Emenda Constitucional 132 . O PLP 68/2024 , em discussão no Senado, tem o objetivo de regulamentar essa reforma.
A reforma substitui, gradualmente, cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo. O objetivo é simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro.
Izalci Lucas reforça que os debates continuarão em setembro e outubro, com vários temas específicos: cashback e cesta básica nacional (10 de setembro) ; setor de hotelaria, parque de diversões, parques temáticos e cultura (11 de setembro) ; saúde e educação (12 de setembro); Simples Nacional (1º de outubro); PLP 108/2024 (2 e 3 de outubro); e imposto seletivo (8 e 9 de outubro).
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