A garantia de melhores condições para os animais domésticos no deslocamento por empresas de transporte coletivo precisa ser conciliada com a segurança dos passageiros e a viabilidade de sua implementação. Essa é a conclusão da maioria dos debatedores que participaram da audiência pública promovida nesta quinta-feira (5) pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) . A audiência foi realizada para subsidiar a análise de quatro projetos de lei sobre o tema.
A senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), autora do pedido para a realização dessa audiência, é a relatora desses projetos. Três deles foram apresentados após a morte do cachorro Joca, extraviado em voo da companhia aérea Gol. O cão, da raça golden retriever, foi encontrado morto por seu tutor, João Fantazzini, no canil da empresa, no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. O animal, que tinha cinco anos, deveria ter sido levado de São Paulo para Sinop (MT), mas, por um erro da companhia, foi enviado para Fortaleza (CE), onde ficou por horas sem água nem comida.
— Saber que vocês estão fazendo a junção dos melhores pontos de cada projeto para poder chegar a uma regulamentação que seja a melhor para a saúde e para a segurança dos animais, hoje, no Brasil, é muito importante. (...) Eu queria muito agradecer a vocês por terem enxergado a real necessidade que a gente tem no transporte de pets no Brasil — disse João Fantazzini, acrescentando que lutará até o fim de sua vida para que outros animais não passem pelo mesmo sofrimento.
Dos quatro projetos em análise, três foram apresentados por senadores: o PL 1.903/2024 , do senador licenciado Wellington Fagundes (PL-MT); o PL 1.510/2024 , do senador Eduardo Gomes (PL-TO); e o PL 1.474/2024 , do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). A quarta proposição ( PL 13/2022 ), já aprovada pela Câmara, é do deputado federal Alencar Santana (PT-SP).
— O pet não é uma bagagem; é o amor da vida de alguém. Eu não teria como fazer um relatório sério e que trouxesse as saídas possíveis para o transporte seguro dos animais sem ouvirmos todos aqui presentes — disse Margareth Buzetti ao iniciar a audiência.
Entre as iniciativas sugeridas está a de disponibilizar veterinários nas empresas de transporte que atuam em grandes aeroportos. Outra preocupação é garantir que a caixa para transporte seja pelo menos 50% maior do que o tamanho do animal, de forma que ele possa fazer movimentos. Essas caixas também teriam que permitir a entrada de ar e de luz, além de garantir uma temperatura adequada e compartimentos para comida e água.
Fábio Rogério Carvalho, presidente da ABR - Aeroportos do Brasil, que representa todos os aeroportos federais concedidos, alegou que muitas das medidas esbarram em problemas de viabilidade (como o espaço nos aeroportos e os custos que seriam gerados para os passageiros) e algumas delas não têm eficácia. Entre essas medidas estaria a presença de veterinários em todos os aeroportos com mais de 600 mil passageiros por ano, prevista no projeto que veio da Câmara. Ele lembrou que, mesmo para os médicos, os padrões contratuais internacionais preveem a obrigatoriedade apenas em aeroportos classe 4, com um fluxo anual superior a 5 milhões de passageiros.
— Pela redação, como está proposta no momento, com 600 mil passageiros eu já teria obrigação de ter um médico veterinário, o que nos parece um pouco desarrazoado. (...) A gente verificou que não existe em nenhum país uma obrigação dessa natureza. Em nenhum país do mundo existe uma obrigação que estabeleça que o aeroporto tem necessidade de ter um mérito veterinário — explicou.
A médica veterinária Juliana Stephani, CEO da Petfriendly Turismo, concorda que é inviável a presença desses profissionais em todos os aeroportos. Ela disse, no entanto, que é preciso que esses aeroportos tenham parcerias com profissionais e clínicas veterinárias, para que os animais sejam levados rapidamente em caso de necessidade.
—Isso precisa ser feito, isso precisa ser obrigatório. O Joca, como todo mundo aqui falou, não morreu porque foi mandado para outro lugar. Ele morreu pelo atendimento que foi feito com ele. (...) As companhias aéreas fazem o que elas querem hoje em dia aqui no Brasil. Essa é a verdade. Eu trabalho com isso todos os dias e eu acredito, sim, que deva haver essa parceria dos aeroportos com veterinários. Eles [os veterinários] não precisam estar lá 24 horas por dia, mas é preciso saber para onde correr se algo acontecer — defendeu Juliana Stephani.
O superintendente de Acompanhamento de Serviços Aéreos da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Adriano Pinto de Miranda,lembrou que a missão da agência reguladora é garantir a segurança nos voos. O superintendente afirmou, no entanto, que é preciso democratizar o acesso ao transporte aéreo no Brasil, que não vai acontecer, segundo ele, com regras muito rígidas que afastem empresas e prejudiquem a concorrência.
—A gente tem de ter um transporte de animais mais seguro e mais acessível, mas ele tem, necessariamente, de conversar com a segurança, tem de ser viável do ponto de vista técnico e econômico, tem de observar uma padronização internacional — e isso é importantíssimo porque a gente não tem condição de estabelecer uma regulamentação muito díspar do que é praticada no resto do mundo — e tem de conversar com a democratização do acesso ao transporte aéreo — argumentou Miranda.
A segurança dos passageiros foi mencionada pelo diretor da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) no Brasil, Marcelo Pedroso, que também representou a Associação Brasileira das Empresas Aéreas durante a audiência. Ele explicou que a quantidade e o peso de animais na cabine têm de ser limitados porque a presença de animais soltos pode causar acidentes em situações de emergência, por exemplo.
Para Marcelo Pedroso, em razão da quantidade, de aspectos técnicos envolvidos e da variedade de modelos de aeronaves utilizados, cada companhia aérea deve continuar sendo responsável por definir qual é o melhor modelo no qual os animais são transportados: na cabine ou no porão. Ele também afirmou que a Anac é o órgão técnico que tem primazia para definir elementos técnicos necessários na discussão.
Luisa Mell, presidente do Instituto Luisa Mell de Proteção Animal, discorda. Para ela, a regulação não tem sido suficiente para proteger esses animais e as companhias aéreas não têm interesse em resolver o problema. Ela relatou ter acompanhado, ao longo de mais de 20 anos de atuação, vários casos de morte e desaparecimento de animais durante voos.
Para Luisa Mell, o principal problema é que os animais, atualmente, são tratados como bagagem, e não como seres vivos. Ela afirmou que as condições do local onde os animais são transportados não são seguras para a saúde deles e apresentam ruídos muito acima do tolerado por animais, além de temperaturas bem mais baixas do que na cabine de passageiros. Para ela, se o porão não é seguro para uma pessoa, também não é seguro para um animal.
— Eu queria, mais uma vez, ressaltar o meu pedido para que eu possa acompanhar os cachorros no porão, para que realmente a gente tenha certeza de como é a segurança. Eu me disponho a isso — disse ela, que informou já ter tido o pedido negado por companhias aéreas.
Uma das medidas sugeridas por Luisa Mell é que haja uma porcentagem de voos com lugares específicos destinados a animais nas cabines. Ela lembrou os casos de cães-guia e cães de apoio emocional, que já são transportados nas cabines sem problemas.
A coordenadora-geral do Departamento de Investimentos da Secretaria Nacional de Aviação Civil do Ministério de Portos e Aeroportos, Karla Andréa Rodrigues dos Santos, disse que o ministério está sensível ao tema e lembrou que já há uma comissão multidisciplinar, integrada por vários órgãos do governo e outras entidades, com o objetivo de avaliar as demandas da sociedade e propor melhoria dos padrões relacionados ao transporte aéreo de animais. As reuniões são feitas semanalmente e os trabalhos estão em fase de conclusão.
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