Apesar de a Lei Maria da Penha ( Lei 11.340/2006 ) estar perto de comemorar duas décadas de existência — completa 18 anos neste agosto — e ser considerada uma das mais modernas do mundo para a defesa dos direitos das mulheres, as estatísticas evidenciam o aumento do feminicídio e dos casos de violência no país, atingindo também as meninas, especialmente nos registros de abusos sexuais. Isso mostra que ainda há muito a ser feito.
Para dar visibilidade a toda essa questão e ampliar a divulgação sobre os direitos das mulheres em situação de violência, a campanha Agosto Lilás, do governo federal, dá publicidade aos serviços especializados para acolhimento, orientação e denúncia. Por sua vez, o Senado possui diversas iniciativas com o objetivo de proteger e combater a violência de gênero, especialmente os feminicídios.
São projetos de lei que visam garantir, por exemplo, a preservação dos bens materiais das mulheres em casos de violência doméstica; a impossibilidade de pagamento de fiança nos casos de crimes de lesões corporais nas situações de violência doméstica e familiar; a retenção de até metade do salário do agressor para prover a manutenção de alimentos da vítima, em casos de violência doméstica, e até mesmo a liberação do porte de arma de fogo para mulheres que estão sob medida protetiva de urgência.
Para a Procuradora Especial da Mulher no Senado, senadora Zenaide Maia (PSD-RN), somente é possível mudar a realidade e reverter o machismo e a misoginia por meio de informação democratizada, com conscientização pública. Em entrevista àAgência Senado, a parlamentar destacou medidas do Parlamento, a exemplo da criação do Agosto Lilás. Instituída pela Lei 14.448, de 2022 , a campanha funciona em articulação entre a União, os estados e os municípios em defesa e garantia de direitos de todas as brasileiras. Na opinião de Zenaide, ações como essa têm alto poder pedagógico, geram aprendizagem e transformam o inconsciente coletivo, rompendo preconceitos que matam, condenam, reprimem e violentam as brasileiras ao longo de séculos.
— Como médica, por anos atendi em pronto-socorro de hospitais mulheres gravemente feridas pelos companheiros. Além de leis e campanhas de abrangência nacional para conscientização, de modo a transformar os costumes e a cultura de machismo e misoginia, conclamo os parlamentares e os gestores do Poder Executivo a aprovar e garantir recursos orçamentários para políticas públicas de Estado que sejam permanentes e resistam a trocas de governos — declarou a senadora.
Na visão de Zenaide, toda a mobilização dos Poderes em torno da causa feminina é louvável porque ajuda a dar visibilidade e “faz a sociedade dar as mãos para defender a mulher contra crimes que lhe tiram diariamente a vida e a dignidade”.
— Apesar de a Lei Maria da Penha ser uma das leis mais rigorosas e modernas para defender a mulher e punir criminalmente o agressor, temos no Brasil índices altíssimos de mulheres assassinadas, estupradas e vítimas de agressão psicológica e material. Por isso, é importante fazer este chamamento a todas as pessoas, em pleno Agosto Lilás, pelo fim de todas as formas de violência impostas à população feminina, que também é maioria no nosso país — ponderou a senadora.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), o senador Paulo Paim (PT-RS) destacou o empenho do Senado na pauta feminina e ressaltou que o colegiado tem se somado ao movimento em defesa das mulheres. À Agência Senado, o parlamentar frisou, por exemplo, a importância das audiências públicas para a conscientização de toda a população e considerou fundamental a participação de toda a sociedade, inclusive dos homens, nessa discussão:
— Esse compromisso é de todos nós, incluindo também os homens, já que os números são assustadores e, infelizmente, aumentam todos os dias. Além do feminicídio, temos a preocupação ainda com a violência sexual contra crianças, especialmente as meninas, que são estupradas, agredidas dia após dia. A violência contra a mulher precisa continuar sendo foco de um grande debate nacional, porque é inadmissível a gente permitir que o Brasil seja um dos países onde mais mulheres são espancadas, violadas e assassinadas — disse Paim.
O crime de dano provocado por violência doméstica contra a mulher poderá passar a ser processado judicialmente mediante ação pública, sem a necessidade de denúncia da vítima. É o que propõe um dos projetos em análise no Senado em defesa das mulheres. Apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), o Projeto de Lei 295, de 2024 está sob análise terminativa na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde aguarda designação de relator. Caso o texto seja aprovado pelo colegiado, poderá seguir diretamente para votação na Câmara dos Deputados.
De acordo com Zequinha, na destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho e documentos pessoais, o tipo penal correspondente é o crime de dano, previsto no artigo 163 do Código Penal. Se o crime for cometido com violência à pessoa, grave ameaça, por motivo egoístico (como é o caso do ciúme excessivo) ou que acarrete prejuízo considerável para a mulher, o delito passa a ser de dano qualificado, reforça o senador.
O parlamentar observa que, atualmente, a apuração do crime de dano só se procede mediante queixa (ação penal privada), salvo se houver emprego de violência ou grave ameaça, substância inflamável ou explosiva, quando a ação passa a ser pública incondicionada. A proposta de Zequinha Marinho altera o Código Penal para prever que, no caso da violência tipicamente patrimonial contra a mulher, o processamento também se dê mediante ação pública, “com vistas a melhor proteger os interesses das vítimas”.
“Além da violência física, face mais conhecida dos crimes de violência doméstica, há outras formas muitas vezes invisíveis, como a violência patrimonial, que pode implicar retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e recursos econômicos em geral, incluindo aqueles destinados a satisfazer as necessidades da mulher”, argumenta o senador na justificativa da proposta.
Também em análise no Senado, o Projeto de Lei 1.168, de 2024 , propõe que o crime de lesão corporal praticado em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher passe a ser inafiançável. O texto foi apresentado pelo senador Jorge Seif (PL-SC) e aguarda relatório do senador Márcio Bittar (União-AC) na Comissão de Direitos Humanos (CDH). Em seguida, o texto será enviado à CCJ, que dará o parecer final.
Na opinião de Seif, a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher tem se tornado mais frequente e intensa. O parlamentar ressalta que a agressão se inicia geralmente com um xingamento e rapidamente evolui para ameaças e agressões físicas. “Ao chegar nesse ponto, caso não haja instrumentos para neutralizar o agressor, coloca-se em risco a própria vida da vítima”, afirma o parlamentar na justificativa do projeto.
Seif menciona o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, segundo o qual 1.437 casos de feminicídio e 245.713 de lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica foram registrados em 2022. De acordo com o senador, houve aumento de 13,7% no número de medidas protetivas concedidas (445.456) e de 8,7% no número de chamadas para o 190 (899.485) relacionadas à violência doméstica.
O objetivo do senador é “frear essa escalada de violência ao prever, em qualquer circunstância (e não apenas naquelas em que caiba prisão preventiva para a execução de medidas protetivas de urgência), o impedimento de que seja arbitrada fiança ao agressor que pratique lesão corporal contra a mulher, em situação de violência doméstica e familiar. Ele acredita que com uma regra processual penal mais rigorosa, haja redução nos números de violência.
“É preciso observar que a lesão corporal praticada contra uma mulher em ambiente doméstico e familiar pode ser o último estágio antes de o agressor cometer ou tentar cometer um feminicídio. Daí o motivo de a nossa legislação processual penal precisar conferir especial atenção à apuração e à responsabilização por essa conduta criminosa, de modo a impedir a imediata colocação do agressor em liberdade”, destaca Seif na justificativa da matéria.
De iniciativa do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), o Projeto de Lei 1.279/2024 altera a Lei Maria da Penha para prever retenção de até 50% da remuneração do agressor, para a provisão de alimentos da mulher, em casos de violência doméstica e familiar.
Kajuru observa que o Congresso Nacional aprovou recentemente a Lei 14.674, de 2023 , que criou o chamado auxílio-aluguel. Assim, a ofendida poderá ter sua moradia assegurada, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a seis meses. Contudo, o senador não acredita ser suficiente para a vítima a previsão do auxílio aluguel. Isso porque, conforme Kajuru, além da moradia, a mulher precisa de alimentos provisórios para garantir a sua sobrevivência, especialmente nos casos em que ela permanece com a guarda dos filhos menores.
“A Lei Maria da Penha já prevê que o juiz poderá aplicar de imediato, ao agressor, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios (art. 22, V). Contudo, o dispositivo é pouco aplicado, considerando que não há parâmetros legais para a concessão. Sendo assim, o projeto pretende prever na lei que o juiz poderá determinar, liminarmente, a retenção de até metade da remuneração e de outras rendas do agressor, na proporção da necessidade da ofendida e dos recursos do agressor”, destaca Kajuru na argumentação de seu projeto.
Outra proposta de lei que tramita no Senado em defesa das mulheres autoriza o porte de arma de fogo para as vítimas sob medida protetiva de urgência. Apresentado pela senadora Rosana Martinelli (PL-MT), o Projeto de Lei 3272, de 2024 , está aguardando distribuição às comissões perante a Mesa do Senado. A proposição sugere uma alteração no Estatuto do Desarmamento, permitindo que mulheres sob medida protetiva de urgência obtenham autorização temporária para porte de arma de fogo. O texto deixa claro que a autorização deverá ser concedida de forma rigorosa e controlada, exigindo que a mulher cumpra os requisitos estabelecidos pela legislação, como capacidade técnica e psicológica.
Rosana considera que o crescimento alarmante da violência contra a mulher no Brasil, especialmente o aumento dos casos de feminicídio, requer respostas eficazes e imediatas. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 mencionados pela senadora, a violência contra a mulher no país tem aumentado de forma preocupante, “refletindo não apenas o fracasso de políticas públicas preventivas, mas também a ineficácia das medidas protetivas convencionais”.
“O feminicídio, que se caracteriza pelo assassinato de mulheres em razão de seu gênero, é o ápice de um ciclo de violência que muitas vezes começa dentro de casa, onde as mulheres deveriam se sentir mais seguras. Apesar dos avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, os números demonstram que as medidas protetivas de urgência, por si só, não são suficientes para garantir a integridade física e a vida das mulheres ameaçadas. Em muitos casos, os agressores não respeitam tais medidas, colocando em risco real e iminente a vida das vítimas”, diz Rosana na justificativa da proposição.
Para a senadora, a iniciativa ajudará a ampliar as ferramentas de proteção para mulheres em situação de risco extremo, reconhecendo a necessidade de medidas mais robustas e que considerem a gravidade e urgência. Rosana acredita ainda que ao oferecer uma alternativa adicional de defesa, “o Estado cumpre seu dever de proteger a vida e a segurança das cidadãs brasileiras, especialmente aquelas que se encontram vulneráveis diante da violência de gênero”.
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