O turismo de Bento teve seu grande momento com a criação de um roteiro, cuja intenção era preservar arquitetura, usos e costumes mantidos pelos moradores do interior de Bento Gonçalves. Idealizado pelo engenheiro e visionário Tarcísio Vasco Michelon e pelo arquiteto Júlio Posenato, o roteiro Caminhos de Pedra visou resgatar, preservar e dinamizar a cultura que os imigrantes italianos trouxeram à Serra Gaúcha a partir de 1875.
O acervo arquitetônico, que começou a ser avaliado ainda nos anos 80, unificou em interesse as comunidades de São Pedro, São Miguel, Barracão, São José da Busa, Cruzeiro, Santo Antônio e Santo Antoninho. As casas antigas, os comércios de outrora e os encantos naturais, facilitaram o desenvolvimento de um projeto que seria exemplo para todo o Brasil e tornaria Bento Gonçalves rota obrigatória de turismo no RS.
Falar nos Caminhos de Pedra, é remeter ao acolhimento do interior e fazer uma ode ao trabalho humano e ao desejo de desenvolvimento de todo nosso interior. A antiga estrada ignorada com a construção de moderna rodovia, abriu o caminho para restauros, criação de empreendimentos e para o desenvolvimento cultural das gerações que um dia seriam os mantenedores desse grande acervo. O acervo se referia ao processo onde a língua regional (dialeto), gastronomia e até a religiosidade seriam parceiros da manutenção de arquitetura e até da paisagem turística.
Minha família materna também teve vez na comunidade de São Miguel ( Família Longo ), onde nasceu minha avó Amélia Longo, que depois de seu matrimônio seria Amélia Longo Comiotto. Mas, meu processo de entendimento só ocorreu na minha juventude, quando aos 18 anos pude conhecer de perto o desenvolvimento do turismo por meio de uma singela agência de turismo localizada junto ao centro de informações turísticas da Pipa Pórtico.
Nessa “casinha” de madeira que atendia ao turismo, conheci pessoas como: Mauro César Noskowski, que me deu a primeira oportunidade de ser Guia de Turismo em um grupo da CVC. Ademir Gugel, que me fez compreender que somos parte fundamental da manutenção da história e que objetos, livros e arte são símbolos inegáveis da construção de um indivíduo. Simone Ferri, que me ensinou a disciplina profissional e que inteligência é algo fundamental para o convívio social.
Rovílio Gomes, que deixava nossos dias mais leves com seus sonhos cheios de cores e que se regozijava com os prazeres que o turismo podia oferecer. Tanara Conzatti, que muito jovem era o frescor da vida adolescente em meio ao universo sério do turismo daquela época. Sabrina Spiandorello, que sua cabeça de moça da capital sempre tinha a elegância como ponto predominante no ato de bem receber.
Estas foram as pessoas que abriram as portas para uma mente jovem que teria no turismo o seu meio de sobrevivência de uma vida toda. Poderia citar uma centena de outras pessoas que fizeram sua morada no meu coração. Mas estes, acima citados foram o meu primeiro contato com o Caminhos de Pedra. O meu primeiro contato com a herança de nossos pioneiros.
No meio do caminho ( que na época realmente era de pedras ) podia-se ouvir o som do malho na Ferraria Ferri, o sotaque carregado na visita à família Strapazzon, no galeto assado do Restaurante Bertarello ( hoje Nona Ludia ), no sorriso ancião da Nona Merlo em sua janela vermelha ( hoje Casa Angelo ).
Tudo era cheio de simplicidade e transitar com os ônibus de 02 andares pela rua de terra era uma aventura a parte. Os dias eram sempre cheios de orgulho e repletos de aplausos ao final do passeio. Construímos parcerias e dividimos novas oportunidades. Novas casas foram sendo restauradas e muita gente que se foi estava voltando. Morar no interior tornava-se símbolo de qualidade de vida.
O primeiro grupo de turistas proveniente de São Paulo, através da Operadora CVC foi recebido na Casa Merlo, Casa Bertarello, Ferraria Ferri e Cantina Strapazzon em 30 de maio de 1992. Atualmente a Associação Caminhos de Pedra conta com cerca de 70 empreendimentos associados e o projeto, considerado pioneiro no Brasil em termos de turismo rural e cultural, recebe mais de 100.000 turistas por ano. Jamais imaginaríamos que esse projeto se tornaria o berço do turismo para Bento Gonçalves e Região.
Ainda, cheio de memória, recordo as estradas barrentas nos dias de chuva, do pó na estrada em dias de calor. Lembro dos olhares atentos de nossos visitantes, buscando o entendimento de como viviam pessoas que tinham linha telefônica compartilhada e telefonista na sub-prefeitura. Saudades de nossa querida Inês Strapazzon, que era chamada por nós de a moça do telefone. Não havia tecnologia no lugar, mas havia o charme da gente simples e dos sorrisos honestos. Como o da Dona Nila Ferri ( sempre pronta a rir de verdade de nossas histórias urbanas ). No meio do caminho cheio de memórias, surgiram pessoas e partiram muitas. Mas o legado permaneceu e fará parte de nossas lembranças por toda a vida.
Agora, momento em que escrevo essas linhas, lembro da Casa das Massas, com seu Antônio Schemes e família. O cheiro de biscoito no ar, as crianças interagindo com os visitantes e logo abaixo a Tecelagem. Tudo isso num mesmo lugar! Hoje, esse espaço é a Casa Vanni, mas lá em suas paredes restauradas encontravam-se dois empreendimentos.
De acordo com a Lei Estadual 13.177/09, é declarado patrimônio histórico do RS, considerando-se como área de abrangência dos Caminhos de Pedra a Linha Palmeiro e Pedro Salgado, localizadas nos municípios de Bento Gonçalves e Farroupilha, até o limite do município de Caxias do Sul, passando por Caravaggio.
Com todo o empenho de nossa gente o Caminhos de Pedra viveu seu momento mágico com dias cheios de grupos vindos de todo o Brasil. Viveu seu ápice com a chegada das grandes Operadoras como CVC, Viagens Costa, Socaltur e Hamburguesa. Trabalhei com todas! Nossos finais de semana eram cheios de trabalho e viver contando histórias faziam nosso cantinho no sul do Brasil mais reconhecido. Todos queriam ser como nós, todos queriam viver como nós...
Não há como não transitar nos dias de hoje e ver como tudo mudou. Como na imagem do monumento do imigrante em Caxias do Sul, onde o casal olha para a cidade a beira da BR 116, e ele, com a mão sobre os olhos, vislumbra um horizonte com o orgulho do que ajudaram a construir.
Tudo é memória e só quem viveu de perto consegue reter as imagens que fazem o contraponto entre o ontem e o hoje.
Não se trata de melancolia, mas de orgulho por saber que também fiz parte de história e o que começou nos Caminhos de Pedra me levou para o mundo e deixou marcas profundas que o tempo não conseguiu apagar.
Sempre haverá pedras no caminho, mas em Bento Gonçalves elas te levam para o Caminhos de Pedra.
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