Os deslizamentos de terra que ocorreram em Bento Gonçalves e provocaram a morte de 11 pessoas e deixa ainda 4 mulheres desaparecidas podem se tornar algo constante em algumas áreas do município. A observação e o alerta são do geólogo Felipe Cristofoli, que participou ativamente das ações durante os deslizamentos que assolaram o interior da cidade no mês de maio. O trabalho de prevenção se faz mais do que necessário para evitar um impacto ainda maior nos próximos momentos de chuva intensa na Capital do Vinho.
De acordo com Felipe Cristófoli, a reestruturação e reparo desses estragos são ações que demandam muito tempo e dinheiro. Ele destaca que pode ocorrer uma migração forçada de pessoas que residiam em áreas atingidas, tornando a antiga comunidade/localidade quase inabitável. No quesito ambiental, os deslizamentos causam assoreamento dos rios, perda de fauna e flora local e degradação da paisagem. “Bento Gonçalves, assim como as demais cidades do Rio Grande do Sul, terão que se adaptar ao novo cenário climático. Os eventos extremos tendem a aumentar de magnitude e frequência e por isso o município deverá adotar novas medidas para uso e ocupação do solo. Áreas onde até então eram viáveis para o desenvolvimento e plantio, agora podem se tornar inviáveis”, afirma Cristofoli.
O geólogo explica que a geologia do município é composta por derrames de rochas vulcânicas, onde cada derrame marca um degrau no relevo das encostas. A zona urbana se desenvolveu no topo desses derrames, em uma região de planalto, de maior altitude, já a zona rural, como as de de Tuyuti e Faria Lemos está inserida nos derrames inferiores, geomorfologicamente situada em uma serra, caracterizada por morros e vales com altas amplitudes altimétricas e declividades. O que afetou significativamente esses distritos foram os deslizamentos de grande magnitude, que são os mais preocupantes, pois possuem alto poder de destruição. "Em princípio, as rupturas se iniciaram na zona de contato entre dois derrames vulcânicos distintos. Nessas zonas existe uma camada de solo transportado, de espessura variável, denominada depósito de tálus e colúvio, que estão dispostos sobre as rochas vulcânicas e são mais suscetíveis a deslizarem", destacou Cristofoli.
O especialista explica que diferentemente dos deslizamentos ocorridos na Linha Buratti, Tuyuti e Faria Lemos, os deslizamentos que ocorreram no bairro Municipal decorrem principalmente de intervenção humana no ambiente, que é responsável por acelerar o processo de instabilidade das encostas. O geólogo destaca que ambas as localidades devem ser avaliadas e monitoradas, pois existe o risco dos processos erosivos se intensificarem ainda mais se não forem corretamente avaliados e monitorados. Em locais onde ocorreram deslizamentos, pode ser que ocorram novas movimentações de massa. "É importante a avaliação de um profissional da área para cada caso, pois cada local pode apresentar problemas diferentes, necessitando de soluções distintas. Sem dúvidas, a principal causa desses deslizamentos foram as chuvas intensas e constantes, que foram responsáveis por saturar o solo, aumentando seu peso e reduzindo seu ângulo de atrito interno e coesão. Dessa forma, a resistência do solo não foi capaz de suportar o gigantesco volume de chuva em um período tão curto de tempo”, revelou o geólogo.
Deslizamentos de terra mandam sinais de que vão ocorrer
Felipe Cristofoli explica que os deslizamentos de terra, antes de ocorrerem, podem deixar alguns sinais. Alguns deles aparecem como trincas ou rachaduras no solo ou na moradia, pequenos deslizamentos, postes, árvores e muros inclinados, surgências de água com coloração turva ou barrenta. Nestes casos, os moradores devem imediatamente contatar a Defesa Civil do município ou um profissional da área. Em dias de fortes chuvas é necessário redobrar a atenção e evitar ao máximo ficar exposto próximo de locais com alto risco de deslizamento.
Algumas pequenas ações podem ajudar a prevenir os deslizamentos. Entre elas estão o descarte irregular de lixo e esgoto nas encostas, a realização de uma drenagem de água pluvial adequada do terreno, não realizar cortes ou aterros em encostas sem prévia autorização do poder público, não deixar solo de taludes expostos, e, se possível, plantar vegetação rasteira ou grama para melhorar a estabilidade do solo. Essas são algumas pequenas medidas preventivas que não garantem a resolução dos problemas, mas ajudam na prevenção.
Medidas que podem ser tomadas para análise e previsão
Felipe Cristofoli relata que a medida de prevenção mais eficaz e econômica é evitar a ocupação humana em locais suscetíveis a deslizamentos. Desta forma, se atua na raiz do problema, evitando riscos futuros. Para isso, é necessário realizar o mapeamento de áreas suscetíveis a deslizamentos e de áreas de risco para que o poder público possa planejar e ordenar adequadamente as cidades e definir áreas prioritárias para intervenção. Dentre outras ações preventivas, o geólogo cita a criação de um sistema de monitoramento e alerta, além da criação de políticas públicas para conscientização da população, que deve ser informada sobre os riscos, medidas de segurança e de prevenção.
Em situações já bem consolidadas como em bairros de áreas urbanas, também é preciso ser feito o mapeamento de áreas de risco. O geólogo destaca que é preciso a elaboração de um Plano Municipal de Redução de Riscos, onde será definida qual é a melhor solução para cada caso. Em alguns casos, medidas como remoção dos blocos da encosta, redirecionamento da drenagem e plantio de vegetação rasteira já diminuem o risco. Em outros casos, pode ser necessário realizar investigações geotécnicas mais detalhadas para execução de obras de contenção de encostas, no entanto, em outras situações elas podem ser inviáveis, tornando a realocação dos moradores a melhor solução para o problema. “Como exemplo de modelo a ser seguido, cito o Sistema Alerta-Rio, da Prefeitura do Rio de Janeiro, que é referência nacional e pioneiro no assunto. O sistema de monitoramento meteorológico funciona 24h e a população recebe alertas pela internet ou SMS sempre que existe previsão de chuvas intensas que possam gerar inundações ou deslizamentos, além de alertas por sirenes implantadas em cada área de risco sempre que ocorre a necessidade evacuação. As áreas de risco 100% mapeadas juntamente com o sistema de alerta e monitoramento 24h formam um sistema muito eficiente. Com esse evento conseguimos importantes dados e informações que até então não existiam, e isso pode ser usado como base para futuros estudos tanto para mapeamento de áreas de risco quanto para monitoramento hidro meteorológico em nosso município”, finalizou o geólogo.