Falar em turismo é criar uma cortina entre passado, presente e futuro. O passado que construiu nossas bases, o presente que nos afirma e o futuro que gera novas expectativas para as comunidades onde o turismo aporta.
No final dos anos 90, quando comecei a viver o turismo como Guia de Turismo local, mais especificamente no Roteiro Caminhos de Pedra, já mais imaginei que décadas posteriores eu estaria vivenciando o auge e algumas quedas do turismo regional.
Em uma região que é chamada de Itália brasileira o turismo firmou as suas bases na gastronomia, na hospitalidade, nas tipicidades e na geografia da “Mérica” que emociona à todos os visitantes com seu revelo cheio de curvas e lindas vistas. Lá, nos anos 90, era possível ver a emoção de turistas que se apaixonavam com as poucas vinícolas que atendiam ao público e se encantavam com as “nossas coisas do interior”.
Nosso sotaque era carregado e cheio de nuances que os dialetos permitiam. Todos queriam ser italianos. Todos queriam ser mais típicos. E os turistas queriam e esperavam isso de nós.
Passear no Vale dos Vinhedos, ainda ganhando a identidade que hoje possui, era impossível imaginar no que se tornaria em pouco mais de duas décadas. Sim, pois, os últimos 20 anos foram os de maior identidade de nossa região com o turismo. Um amor entre os dois que possuiu muito altos e baixos. A pandemia foi um deles.
Ela veio como um sopro gelado no pescoço do progresso turístico. Trouxe desespero e nos reinventou.
Os anos 2000, foram derradeiros para consolidar nosso destino e ganhamos status de “indutores do turismo” no Rio Grande do Sul. Cheios de garbo, nos vestimos com a gala do progresso turístico e mudamos um pouco o nosso modo de viver. Nosso sotaque se globalizou e alguns se apropriaram de nossas histórias, de nossos gestos, de nosso trabalho e até de nossas origens. A Maria Fumaça apitava aos visitantes, nossas uvas convidavam à vindima, nossa mesa farta ganhou mais sofisticação e novos sabores. Os invernos ganharam mais movimento com o ir e vir de ônibus e vans. Os menos simpáticos ao turismo, esperavam sentados em suas varandas “toscanas” o desencantar de nosso turista. Isso nunca aconteceu!
Me referi a “toscanas”, pois, sempre nos intitulamos como a TOSCANA BRASILEIRA. A Toscana, especialmente Florença, é considerada o berço do Renascimento. Embora a "Toscana" tenha permanecido uma concepção linguística, cultural e geográfica em vez de uma realidade política, no século 15, Florença estendeu seu domínio na Toscana através da anexação de Arezzo em 1384 e a compra de Pisa em 1405, por exemplo. Após o fim da República Social, ela floresceu como um centro de grande poder cultural na Itália.
O que isso tem haver com nossa região e maneira de viver? Respondo com um sonoro “NADA”!
Claro que nossa tentativa de sermos mais toscanos, é fazer uma deliciosa alusão às nossas paisagens que foram moldadas pela mão do homem durante quase 150 anos. A terra foi generosa e abriu as suas entranhas para mãos fecundadoras que sonhavam com um novo mundo cheio de abundância e riqueza. Ao contrário da região italiana que anexou Livorno, Pisa, Arezzo, Piombino, Lucca e Siena ao longo de muitos anos, nós perdemos algumas pérolas do nosso colar. Ao Longo dos nossos anos, perdemos Santa Tereza em 1992 que possuía em sua origem de 1885, poloneses e italianos na margem do Taquari.
Monte Belo do Sul também se desmembrava da Capital do Vinho ainda em 1992 e do alto de seus mais de 600 m de altitude acompanhou uma outra comunidade dizer adeus ao território de Bento Gonçalves. Pinto Bandeira começou sua independência ainda em 1996, mas somente 2001 deu-se a instalação do município e a posse de seu primeiro prefeito eleito, somente em 2013.
Neste período, fomos criando nova identidade. Bento e região tornaram-se cidades modernas, com novas estradas, novas rotas e novas possibilidades. Nossa região ganhou ares cosmopolitas e um novo ritmo.
Lembrar de “Tal como éramos” é um saudosismo bobo, que nos remete ao desenvolvimento e ao crescimento. Quem viveu nesses momentos de outrora sabe que o que colhemos hoje é reflexo de muito trabalho e muito investimento.
Se sinto saudades da Bento de ontem? SIM!
Todos sentem saudades daqueles momentos em que vender o nosso melhor era um ato de vender verdades, simplicidades e originalidades. Naquela época nosso sotaque era mais ouvido. Naquela época, nossas mãos embrutecidas eram sinônimo de felicidade. A mesma felicidade que sentiram os primeiros que aqui chegaram e descobriram o novo mundo.
Como citei no início do texto, criar a cortina entre passado e futuro é o maior objetivo do turismo. E mesmo que seja uma cortina que se fecha após longos aplausos, sempre será a cortina que representa um público que aplaude de pé.
P.S: em uma manhã de maio sem chuva e com muitas esperanças