Uma manhã, em pleno inverno. Já findara a loucura de uma temporada. Reni José Teixeira de Souza, 66 anos, natural de Cachoeira do Sul, se desloca do refeitório do clube e, em poucos passos, retorna ao seu local de trabalho. Uma manga curta e um calção expondo seus finos braços e pernas nos fazem questionar de sua sobrevivência diante do frio da Serra Gaúcha. Ele já planeja o ano de 2020 todos os dias.
Olhar sério, totalmente focado. Pouco desvia o olhar. Mas suas características mudam de repente em uma noite especial de maio. Apito final, Reni invade o gramado, abraça o volante Renan Do Tim, seu fiel parceiro. Apesar dos sorrisos tímidos, eles apareceram na temporada, no momento mais importante do ano. Era o retorno à elite, e o "Seu Reni" deixara de lado o olhar duro do trabalho para comemorar o suor derramado no dia-a-dia, afinal, créditos não lhe faltam.
Aqueles que passaram pelo vestiário do Esportivo não possuem nenhuma divergência de opinião quando se fala no conhecido e reconhecido “Seu Reni”. Ninguém melhor que o secretário do clube, Edemir de Oliveira, que passa o dia-a-dia ao lado dele, para falar do roupeiro do Esportivo. “O Reni é muito organizado com o material, nuca deixa faltar nada. Cuidadoso, cuida mais do material do Esportivo do que o material dele”, resume Edemir.
O Esportivo está prestes a completar 100 anos de história. Reni, por sua vez, prestes a alcançar a marca de 20 anos presente no vestiário Alviazul. Experiência é o que não lhe falta. É dentro da rouparia onde seu astral se impõe à frente do seu olhar sério. Nele, fala com autoridade de quem conhece e vive da organização e administração de um vestiário. “Nestes 100 anos do clube é impossível falar de Esportivo sem falar do Seu Reni”, explica o volante do Esportivo em 2007 e em 2019, Renan Do Tim.
Um pouco de história:
Dia de jogo. Muitas horas antes do início da partida Seu Reni posta uma foto em sua rede social com todas as camisas dos jogadores organizadas nos seus respectivos lugares. É fardar e entrar em campo. No gramado, Reni olha atentamente para o jogo, sem esboçar qualquer reação, seja no gol adversário ou no gol do Esportivo. Segue com o olhar sério, atento para o que for necessário intervir, totalmente focado no seu trabalho. Arrancar palavras dele neste momento de concentração parece difícil.
Em uma tarde comum, sem treino nem jogo, na arquibancada da Montanha dos Vinhedos, diante de uma câmera, Reni esconde o seu olhar duro e focado. Os sorrisos são frequentes, assim como as gargalhadas. O olhar de orgulho não engana, apesar de sua história bastante peculiar. “Quando estava em Cachoeira, em 1999, o falecido Jorge Anadon me ligou. Queria tanto que eu viesse para o Esportivo. Ele perguntou: ‘ será que tua mãe te deixa vir’, eu respondi: ‘eu venho’. Anadon disse: ‘vai ser técnico da base’, e eu respondi: ‘tô indo’. Cheguei aqui dia 2 de janeiro, às 14h e eu estava no escritório com o Edson Klauck e daí ele e o Anadon me apresentaram onde eu iria trabalhar. Quando chegou perto do vestiário ele disse: ‘olha, é aqui onde você vai trabalhar, na lavanderia”, conta gargalhando.
Quem diria que um início um tanto quanto desagradável daria origem a uma bela história após quase 20 anos. Reni, na época, não deixou simplesmente por assim. “Mas eu disse uma coisa naquela hora. Eu vim aqui para vencer. E dito e feito”, empondera o roupeiro. Seu Reni viu ídolos do Esportivo atuar na “Velha” Montanha e no atual estádio. Ano após ano, o seu trabalho ganhou a admiração e o reconhecimento de todos os profissionais que estiveram por algum momento dentro do vestiário alviazul.
A função de roupeiro:
De fato, rouparia é o seu forte. É lá que Reni esbanja imponência em falar. A credibilidade está na sua voz que, hora beira o grave, hora se torna aguda. Mas administrar a rouparia não é a sua única tarefa na Montanha dos Vinhedos. Sobre suas funções, Reni explica: “Pensa que jogador pega o uniforme e vai jogar? Tem que estar tudo certinho, o roupeiro tem que estar sabendo o que o adversário vai usar, tem que combinar, ajeitar o material, arrumar gandula, maqueiro. Quando se joga fora, o roupeiro precisa saber qual material pois não pode faltar nada”.
E de fato não falta nada. Quando falta, não é perdoado. Em tom de brincadeira, Seu Reni transparece a implicância sadia no vestiário de alguns jogadores no grupo do acesso à elite deste ano: “Zulu, Renan, Nena. Se não é o meu parceiro Nunes para me salvar nessa prensa que eu levo dos três, não sei o que seria”, comenta com um largo sorriso no rosto. Se pegam no pé dele no vestiário, fora dele não difere. Pênalti claro sobre o atacante Vinícius Martins em um jogo-treino, mas Reni, saindo do seu habitat para ser o dono do apito, com uma postura imponente, não quis saber de reclamação. O lance certamente rendeu “polêmica” no vestiário.
Reni é exigente consigo mesmo. Viagens, passeios pela cidade, visitas para Neiva Villa, que apareceu em sua vida há poucos anos como uma linda história de amor. Reni faz questão de citá-la, e consegue propor diferentes atividades no tempo livre para além do futebol, mas... “O resto é trabalho. Eu vim aqui para a cidade, no clube para trabalhar”.
O reconhecimento e a admiração:
Às vezes teimoso, às vezes sem vergonha. Edemir e Renan possuem as mais fieis credenciais para explicar como o roupeiro ganhou e continua conquistando o reconhecimento por quem passa no Esportivo. “Considerado por muitos, quase todos os jogadores como o melhor roupeiro que já trabalharam. Já está fazendo lista de material para próxima temporada. É um pouco teimoso. Apesar de ele ser mais velho do que eu, é como se fosse um filho. Sempre que preciso de ajuda para alguns serviços no Esportivo ele me ajuda. Cuida do estádio, na economia de luz, água”, detalha o secretário Edemir.
Uma noite de maio marcou a vida de Renan. Jogador do Esportivo em 2007, o volante trata Reni como um pai desde então. Retornando ao Esportivo em 2019, um abraço e muitas lágrimas serão eternamente lembrados. “Conheci o Seu Reni em 2007. Tive a oportunidade de jogar em mais de 20 clubes na minha carreira, e o Seu Reni é um dos melhores roupeiros que tive. Um homem de caráter, um homem muito profissional, que ama mais que tudo o Clube Esportivo. O Seu Reni é um cara especial. Não foi só o meu roupeiro, foi meu mordomo, meu amigo, meu pai. Emociono-me a falar, pois vivemos longe da família, mas o seu Reni sempre esteve comigo”, ressalta Renan.
O volante, com o típico sotaque carioca, faz questão de contar o seu retorno em 2019. Antes da sua fala. Renan enche o pulmão para explicar a história: "Eu amo esse velho. Esse velho diz que eu só voltei para o Esportivo, pois foi ele quem deu o aval. Diz ele que foi meu empresário".
"É um cara ímpar".
Uma voz autêntica, inesquecível. O tom agudo é preponderante nas palavras em suas respostas. O olhar sempre fixo, focado, e um sorriso que só aparece ao final de sua fala. Na segunda pergunta, o seu companheiro de rouparia, Seu Gerson, com uma fala desengonçada chama por Reni, mas logo ao ver a câmera se esconde. De cara Seu Reni não titubeia para completar a sua fala com a lembrança esporádica. "É bom sempre ter um companheiro ao lado, que sempre ajuda né, que é o Gerson, e tenho que agradecer a essa pessoa muito importante que está trabalhando do meu lado". A seriedade demonstra algo longe de ser uma fala burocrática. Insistente, Seu Reni posa para uma foto com o seu colega.
Sereno, e com um tom conclusivo, Reni transparece sua paixão pelo Esportivo. As palavras talvez não consigam expressar o suficiente algum sentimento interno do que realmente o clube significa para o Seu Reni. Mas a certeza é que o reconhecimento construído gerou ótimos frutos para colocar o seu nome em um lugar especial no Centenário do Esportivo. "A cidade, as pessoas são fora de série, e o clube que dá toda estrutura, é um clube que tenho que agradecer muito por todos esses anos. Tenho uma admiração pelo clube, pela cidade, pelo trabalho no clube".
O tom burocrático é transformado de repente pela sinceridade. Reni corneta: “66 anos, tá quase acabando, pois lidar com jogador é terrível”. Em contrapartida, ele emana seu respeito em meio às brincadeiras. "São tudo parceirão". Irreverente, Reni e o seu trabalho podem ser pouco reconhecidos pelo torcedor, que pouco conhecem a profissão. Mas na hierarquia, o reconhecimento por muitos atletas que passaram pelo clube é a maior recompensa no ambiente no qual um roupeiro trabalha. 20 anos de Clube Esportivo, e 20 anos de um profissional admirado por aqueles que fazem a bola rolar, e que dependem do Seu Reni para desempenhar a sua função.
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