Um corredor repleto de medalhas, cortes de reportagens, homenagens e fotos evidencia o sucesso que a paratleta bento-gonçalvense Rosângela Dalcin, de 57 anos, fez no tênis de mesa, chegando a alcançar o 13º lugar no ranking mundial. Grande parte destas conquistas foram conquistadas com a ajuda do treinador Luciano Possamai, o qual, através da parceria de cerca de 10 anos, conquistou uma vaga na comissão técnica da seleção brasileira, sendo o único profissional de Bento a participar dos Jogos Paralímpicos Rio 2016.
Rosângela, que é cadeirante, conheceu o tênis de mesa por acaso. Em uma de suas participações no congresso da Unidef, no qual buscava projetos de lei para serem aprovados em prol da acessibilidade e melhorias para pessoas com deficiência, recebeu o convite do professor Aldo Potrich para praticar a modalidade.
“Nem sabia que uma pessoa com deficiência podia participar de algum esporte, então comecei a praticar. Teve um campeonato regional em Porto Alegre que fui disputar e eu não tinha raquete e nem sabia sacar. Como tinha poucos competidores, consegui uma vaga para o Brasileiro na minha classe. A partir daí contratei um treinador de São Paulo para vir para Bento me treinar no Clube Aliança”, relata.
Foi em uma competição em São Paulo que Rosângela passou a ver o tênis de mesa como o seu futuro. A atleta passou a contratar treinadores para os seus trabalhos na mesa, até que conheceu o bento-gonçalvense Luciano Possamai. “O Jorge (ex-treinador) me apresentou o Luciano e disse que ele não sabia muito sobre o esporte, mas que aprenderíamos juntos”, destaca a atleta.
Ali começava a história de dois profissionais que representariam Bento e o Brasil nas mais diversas competições mundiais de tênis de mesa. “Não tinha conhecimento nenhum de treinamento, de atividades voltadas ao tênis de mesa e muito menos ao esporte paralímpico. Através dela começamos a trabalhar juntos e, com duas semanas de treinos, viajamos para Curitiba-PR, onde a seleção treinava, para aprender com quem sabia fazer as coisas. Fomos crescendo e evoluindo e, com isso, trabalhamos por mais de 10 anos juntos”, comenta o treinador.
No começo, Rosângela estudava, trabalhava na prefeitura e no seu escritório e treinava à noite. Posteriormente, deixou o escritório de lado para direcionar os seus esforços exclusivamente para o tênis de mesa. Em 1999, a bento-gonçalvense participou do seu primeiro Parapanamericano, no México.
A partir daí, a atleta se tornou destaque na modalidade entre os atletas paralímpicos. Durante 10 anos, Rosângela foi a melhor mesatenista do Brasil em sua classe. Além disso, já ocupou a primeira posição entre as atletas das Américas e foi 13ª colocada do ranking mundial da modalidade.
A atleta soma participações em três Mundiais, na Holanda, Suíça e na China, e disputou diversos Parapanamericanos. Apesar dos esforços, a atleta bento-gonçalvense não conseguiu alcançar uma vaga para disputar a Paralimpíada em sua trajetória.
“Sempre treinei muito para representar bem o meu país e sempre consegui medalha, mas nunca consegui a medalha de ouro para poder participar de uma Paralimpíada. Na minha época não tínhamos um centro de treinamento como tem hoje. Eles estão lá só para treinar, já eu estudava, trabalhava e treinava. Mas o que pudemos fazer a gente tentou”, explica.
Dentre os seus momentos inesquecíveis como atleta de tênis de mesa, Rosângela se recorda com carinho do Parapan do Rio de Janeiro, em 2007, no qual a bento-gonçalvense foi empurrada pela torcida para conquistar a medalha de bronze. “Foi a primeira vez que tivemos uma torcida ao nosso lado. O pessoal começou a cantar e gritar para nos apoiar. O último ponto foi incrível. A minha colega sacou, a adversária respondeu e eu entrei com tudo. Fiz o ponto e ela veio me cumprimentar ao final do jogo, mas nem vi. Fiquei abanando para a torcida me sentindo uma estrela. Foi um dos momentos mais especiais”, relata.
Por conta de problemas de saúde, Rosângela parou de praticar a modalidade em 2015. No entanto, mais um momento inesquecível na sua trajetória como atleta a aguardava. No ano seguinte, quando o Brasil sediou as Olimpíadas, a atleta passeou pelo centro da cidade carregando a Tocha Olímpica. “Foi emocionante. Foram os metros mais emocionantes da minha vida. Fiquei muito emocionada”, comenta.
Com grande parte de sua trajetória de vida dedicada ao tênis de mesa, Rosângela afirma que a modalidade abriu diversos horizontes e que a fez superar as suas limitações. “O tênis de mesa me abriu muitas portas. Primeiro me mostrou que eu podia praticar um esporte. Segundo que eu podia ser boa. Se eu treinasse muito, podia ter condições de crescer cada vez mais. Me ensinou a compartilhar, a aprender, a dividir as coisas com os outros, a dividir conhecimento. O tênis de mesa realmente foi muito importante para a minha trajetória de vida e sinto muita falta”, pondera.
De Bento para as Paralimpíadas Rio 2016
Assim como Rosângela, Luciano Possamai também fez história no tênis de mesa bento-gonçalvense. Ao surgir a oportunidade de se aprofundar no esporte, o treinador não titubeou e encarou o desafio.
Como jogador, Luciano atuou por um breve período para adquirir experiência na modalidade. “Não tinha informação, nunca tinha sido atleta, não sabia o que o treinador falava, não sabia como um atleta se portava dentro de quadra, então fiz a escolha de competir em paralelo aos treinos com ela. Isso fez parte da construção da parte técnica”, comenta.
Como treinador, o profissional participou da Paralimpíada Rio 2016, o seu ápice profissional, dos Panamericanos de Guadalajara, no México, Toronto, no Canadá, e Lima, no Peru, e dos Mundial de tênis de mesa na China. Na Seleção Brasileira, Luciano começou como staff. “Comecei na função do apoio da logística de proporcionar que os atletas estivessem aptos a praticar a sua atividade. Paralelo a isso, em função da demanda da seleção, desde o primeiro momento, sempre exerci funções técnicas também”, ressalta.
A porta de entrada de Luciano para a seleção foi justamente a sua parceria com a atleta Rosângela. “Logo que começamos a trabalhar, um ou dois anos depois, ela foi convocada para o Parapanamericano do Rio. Naquele momento eu não tinha como ir junto, pois não fazia parte da seleção. A Rô passou a ter uma demanda de precisar de um staff, passei a exercer as duas funções, de técnico e de staff. Ajudava-a em todas as demandas nas competições e, através disso, em um dos campeonatos, ela fez a solicitação que precisava do staff e me convocaram, em 2009", explica.
No ápice de sua trajetória profissional, a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) delegou ao Luciano a função de Coordenador Geral da Seleção Brasileira nas Paralimpíadas Rio 2016. “Foi o ápice esportivo. Claro que a primeira medalha no Mundial, em 2014, foi muito marcante, mas de tudo que aconteceu, a conquista da medalha de bronze da classe 2 dos atletas cadeirantes no Rio 2016, e de todo o contexto que enfrentamos, essa medalha de bronze foi o momento mais marcante profissionalmente para mim”, pondera.
O melhor momento do tênis de mesa brasileiro
O tênis de mesa brasileiro vive um momento ímpar em sua história. No masculino, Hugo Calderano se tornou o melhor atleta das Américas de todos os tempos a alcançar o terceiro lugar no ranking mundial da modalidade, sendo uma das principais esperanças de medalha nas Olimpíadas de Paris 2024.
No feminino, Bruna Takahashi, que foi treinada pelo professor Alexandre Ghisi, que também treinou a atleta paratleta de Bento Gonçalves durante um breve período, atingiu a melhor marca de uma brasileira no ranking na história, ocupando a 31ª colocação.
De acordo com Luciano, o bom desempenho se deve à evolução do esporte, sobretudo com a estrutura disponibilizada para os atletas no Centro de Treinamento, em São Paulo. “Hoje podemos dizer que o Brasil está no seu melhor momento na história do tênis de mesa. No esporte paralímpico do tênis de mesa temos referências mundiais, atletas medalhistas. Hoje, há um trabalho de detecção de talentos muito cedo no tênis de mesa brasileiro, principalmente olímpico, cujo trabalho tem como responsável o técnico gaúcho Jorge Fanck. O paralímpico está fazendo um trabalho também próximo a isso”, opina.
Com base em sua experiência nos mais diversos polos de treinamento de seleções asiáticas e europeias, Luciano elogia a estrutura oferecida pelo Centro de treinamento da CBTM. “Tive oportunidades de vivenciar Londres onde se preparou, vivenciar na China onde se prepararam em Beijing, tive a oportunidade de conhecer onde a Espanha se preparou para as suas Olimpíadas e posso falar que o CT paralímpico brasileiro hoje é uma referência mundial, porque está muito bem estruturado e isso colabora com os resultados”, analisa.
Do tênis de mesa para o Beach Tennis
Ainda vinculado ao tênis de mesa, Luciano encontrou uma nova modalidade na qual se aperfeiçoou para treinar, mas não deixando de lado a raquete: o Beach Tennis. A convite dos ex-atletas do Bento Vôlei, Dante e Bergamo, proprietários da Sud Beach, o profissional passou a ministrar aulas da nova modalidade, a qual está ganhando cada vez mais adeptos no Brasil.
“Não tinha muita vivência no esporte. Gosto, vejo que tem muita ligação com o tênis de mesa, pois trabalha muito com repetições, e aqui a metodologia que utilizamos também trabalha muito com isso, e isso me facilitou acessar a modalidade. Por mais que tenha diferenças de dimensões e características diferentes, a metodologia que utilizamos aqui, que é a da escolástica, metodologia italiana, acabou me facilitando isso. Através de um convite, foi formada uma escola de Beach Tennis”, relata.
Com praticamente 200 alunos, desde crianças até idosos, e com uma procura bastante significativa, a modalidade vem crescendo de forma exponencial no município. Conforme Luciano, um dos fatores que resultou na grande procura foi a facilidade do jogo, principalmente na iniciação.
Além disso, pelo fato de o Brasil ser um país tropical e contar com um amplo período de calor, os esportes de areia, como vôlei, futevôlei e o próprio Beach Tennis estão sendo cada vez mais procurados pelo público em geral. “As pessoas estão buscando experiências novas. É uma atividade que existe há mais de 30 anos, ou seja, não é tão antiga. Surgiu na Itália e veio para o Brasil há cerca de 15 anos. Diferente da Itália, que é o polo do Beach Tennis, temos um período muito grande de calor no país inteiro, e uma extensão litorânea muito grande. Apesar de que há muitos clubes indoor, esses fatores são um facilitador muito grande e atrai pessoas por isso”, explica.
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