Mais do que entrar em nossas vidas, os filtros se tornaram parte dela. Democráticos, são usados tanto por famosos quanto por reles mortais. Nascida na era das redes, a geração atual é a mais atingida pelo fenômeno. Em alusão à primeira rede social que popularizou os filtros, os médicos cunharam a expressão “disformia do Snapchat” para descrever os jovens que não conseguem mais se reconhecer sem retoques digitais. Não à toa, os profissionais da saúde se preocupam com o crescente número de procedimentos estéticos para imitar os seus efeitos.
Com um celular na mão, qualquer um pode personalizar seu tão sonhado visual, eliminando manchas e olheiras, clareando os olhos e dentes, alongando os cílios ou deixando a pele mais sedosa. É um constante “a gente pode chegar lá” (se contar com a edição certa). Isso, claro, ajuda a normalizar a cultura dos retoques — seja na foto da rede social, seja na mesa de cirurgia. Por essas e outras, a busca pela palavra “rinoplastia” explodiu em 2020. Até a diva pop Anitta revelou que já fez procedimentos estéticos para ficar mais parecida... com a sua própria imagem nos filtros.
Com quase um milhão de seguidores no Instagram, o produtor de filtros Igor Saringer se notabilizou ao ter seu trabalho postado por famosos. Assim que são adotadas por alguma celebridade (que raramente paga pelo produto), as suas criações viralizam e passam a ser usadas por milhões de pessoas. Com a divulgação, o criador ganha convites para projetos publicitários e encomendas de filtros personalizados para pessoas físicas. Nesse último quesito, conta ele, os mais pedidos são mesmo os de beleza, em geral para retocar a pele (“o efeito blur, sabe?”) ou de maquiagem (“às vezes leve, às vezes não”).
Beleza natural
Em outra direção, celebridades como Taís Araújo, Débora Secco, Mariana Goldfarb, Paolla Oliveira e Preta Gil aderiram ao movimento #nofilter, barrando as ferramentas de suas publicações. Na Noruega, uma lei criada no ano passado chega a exigir que influenciadores informem sobre as edições quando usam fotos retocadas. — Dá para ser uma pessoa pública sem ter que se mostrar perfeita — diz a modelo Raissa Santana, miss Brasil 2016. — Não exagerar nos filtros nos ajuda a se conectar com quem está ali do outro lado. E é bom para a saúde mental. O importante é a gente entender por que está usando um filtro, e usar quando se sente confortável, não por obrigação.
Fundadora do Movimento #CorpoLivre, que atua pela liberdade em relação aos padrões de beleza, a jornalista Alexandra Gurgel lembra que tudo é transitório. E vê uma tendência à “desplastificação” das celebridades, uma volta a um suposto natural. — Até influencers que tanto promoveram um padrão de beleza irreal, como a Gabriela Pugliese e as Kardashians, estão reduzindo o uso de modificações porque agora acham que não combinam mais com elas — diz a autora de livros como “Comece a se amar” (2021). — Aí você faz cirurgia para ficar igual ao corpo da moda, mas o que acontece se o corpo da moda muda em seguida?