Depois de publicar um pedido de ajuda nas redes sociais, um morador do bairro Conceição, em Bento Gonçalves, viu pelo menos 16 gatos – dos cerca de 30 que mantinha – terem um destino cruel ou, no mínimo, incerto. Sete deles foram envenenados na noite da última quarta-feira, 16, e, nesta quinta-feira, ao menos mais nove, incluindo filhotes, também podem ter tido um fim trágico, desde que foram levados embora da residência pelo proprietário do imóvel. Por enquanto, permanecem sumidos.
Em ambas as situações, uma questão parece comum: a grande dificuldade do Poder Público bento-gonçalvense de encontrar saídas para os problemas da causa animal no município. Neste caso em específico, além de deixar a situação chegar a um extremo, sem prestar apoio efetivo ao morador, a administração também compactuou, conforme os relatos, com uma remoção forçada dos gatos de dentro da casa onde viviam, e agora não sabe dizer onde eles se encontram.
O que torna o caso ainda mais perturbador é o fato de que, segundo o responsável pelos gatos e a Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram), a fiscalização da prefeitura esteve na moradia após as primeiras mortes e, além de notificar o morador, que vive de aluguel no local, presenciou o momento em que os gatos foram retirados da moradia dentro de sacos amarrados e foram levados pelo casal dono da residência, sem fazer nada para impedir a ação. Diante de reclamações, os proprietários já vinham pedindo que o locatário se desfizesse dos felinos ou saísse do lugar.
Segundo relato do morador, um dos fiscais, que estava acompanhado de outras duas mulheres, determinou na hora da vistoria que somente quatro felinos poderiam permanecer na residência. No entendimento do sargento Vanius Morais, comandante do 3° Batalhão Ambiental da Brigada Militar, além do possível crime ambiental, que ocorreu sob a omissão dos funcionários públicos, também houve invasão de domicílio. "O proprietário do imóvel tem a propriedade, e não a posse", explica.
Ele ainda questiona a determinação da Vigilância Ambiental de que o morador mantivesse apenas quatro gatos em sua casa. "Onde essa 'determinação' tem base legal? Pela legislação, não há previsão legal, existe apenas um projeto que, caso aprovado, regulamentará um número de 20 animais por residência", completa.
Em nota, a prefeitura de Bento diz que não houve participação dos servidores na captura e transporte dos gatos, e que tudo aconteceu antes da chegada dos fiscais ao local (confira o pronunciamento abaixo). Contudo, não é o que diz João Fernando Cipriani, o tutor dos felinos.
Depois de serem presos nos sacos, os animais seriam então levados para a cidade de Muçum, conforme informações iniciais usadas para coagir o morador que os cuidava. Ao tomar conhecimento do caso, a Patram identificou os envolvidos, inclusive os servidores da administração municipal, e solicitou que o dono da casa retornasse a Bento Gonçalves e também apresentasse fotos dos gatos vivos, o que não ocorreu até o momento. O temor é de que eles tenham sido mortos ou abandonados no caminho.
Nesta sexta-feira, dia 18, a Patram levou o caso à Polícia Civil, para que abra uma investigação e, se comprovada a participação dos envolvidos, remeta o inquérito ao Ministério Público (MPRS). A própria promotoria também já recebeu antecipadamente uma cópia do material.
O NB Notícias também tentou contatos com o dono do imóvel, que reside em Muçum, e o servidor que teria ido até a casa acompanhado de duas colegas que entraram na moradia, mas não obteve retorno ou respostas aos questionamentos.
"São uns covardes", diz tutor dos gatos que teve a casa invadida
João Fernando Cipriani, tutor dos gatos, conversou com a reportagem do NB Notícias e apresentou seu relato sobre o ocorrido. De acordo com ele, ao longo dos últimos meses, no intuito de ajudar animais abandonados, ele e a esposa acabaram acolhendo muitos gatos. A situação começou a incomodar vizinhos e o dono da moradia. "Eles começaram a reclamar, e aí começou a vir a Vigilância Ambiental, a prefeitura. Até aí, tudo bem. Então eu falei 'vamos doar os gatos, me ajudem a doar'. Eles falaram que sim, mas na realidade não ajudaram com nenhum", conta.
Nesta quinta-feira, dia 17, ele soube que o dono da cada viria falar com ele no intuito que desocupasse o imóvel. "Só que nós fomos surpreendidos. Ele chegou aqui com a mulher dele, mais um funcionário da prefeitura que ficou lá fora e outras duas que entraram. Ele (proprietário) disse: 'Tu me entrega os gatos ou então vou te tirar a casa. Eu vou pegar os gatos e doar lá em Muçum, eu tenho quem fique com eles'. Como eu acreditei que eles iam doar, eu tentei dizer quais poderiam levar, mas não quiseram nem saber, foram pegando, enfiando dentro do saco e levando. Eles me forçaram, me coagiram, e a prefeitura estava junto e não fez nada. Eu não sei onde foram parar os bichos. Disseram que levaram nove, mas eu acho que foi mais", revela.
Cipriani ressalta que, assim como em muitos outros pedidos de auxílio que fez, esperava uma ajuda para encontrar novos lares para os gatinhos, mas que acabou sendo forçado a deixá-los levarem os animais, mesmo diante de sua contrariedade. "Por mim, eu não queria que levassem nenhum desse jeito. Sempre cuidei deles, mesmo sabendo que errei acumulando muitos gatos. Eu admito isso. Mas gasto mais de mil reais por mês com eles, nunca fiz mal. Eles são mimados, dormem comigo, eu daria a minha vida por eles. Eu tentei explicar, mas eles são uns covardes. Fiquei só com quatro porque me forçaram a fazer isso. A prefeitura me disse que eu podia ficar apenas com quatro, mas a polícia ambiental me falou que eles não poderiam ter tirado nenhum daqui de casa. Eles invadiram minha casa, entraram sem a minha autorização", completa.
Ele lembra ainda que, entre os animais levados, estava um que era completamente cego e recebia cuidados especiais dele e da esposa por causa dessa condição. "Eu não queria entregar, implorei para deixaram aquele, mas não, também colocaram dentro do saco. Eu não podia fazer nada, fui obrigado. Mas quando chegar no Fórum vai ser tudo esclarecido. Ou mataram os gatos ou largaram em algum lugar. Para me ajudar, nunca apareceram, mas para dar fim neles, sim", lamenta.
Na vistoria, ao contrário do que o Poder Público garante, Cipriani diz que uma das servidoras estava até mesmo com uma lanterna para auxiliar a localizar os gatos que foram retirados da casa. "Ela ia com uma vassoura e os coitados tinham que sair de onde estavam escondidos", narra. Mais uma vez trazendo uma informação diferente da divulgada pela administração, ele relata que os três servidores "viram o dono da casa levando impropriamente os bichos dentro do saco e não fizeram nada". "Eu pensei até que eles iam chamar a polícia e impedir, mas deixaram levar tranquilo", afirma.
Por fim, Cipriani pede ajuda à comunidade para tentar encontrar uma outra casa de aluguel onde possa viver com os animais. "Estou procurando uma casa afastada para não acontecer mais isso, para poder ficar com meus gatos. Eu também estou tentando isso, eu pago aluguel, mas ninguém nunca me ajudou", conclui.
O que diz a prefeitura
Confira na íntegra a nota divulgada pela prefeitura de Bento Gonçalves nas redes sociais, nesta sexta-feira, dia 18. A manifestação, mais do que buscar explicar, causou ainda mais indignação junto à comunidade:
Nota de esclarecimento:
"Após postagens nas redes sociais com denuncias infundadas que visam denegrir a imagem do servidor público, a Vigilância Ambiental esclarece que:
- Nesta quinta-feira (17) a vigilância ambiental e Secretaria do Meio Ambiente estiveram em uma residência, no bairro Conceição, novamente, após de denuncias de que no local havia uma grande quantidade de gatos. Devido à questão sanitária, o espaço foi vistoriado e o locatário da residência notificado para limpeza do local, e para que mantivesse os animais dentro do pátio (conforme termo de notificação 0538).
- No momento da vistoria foram informados que os animais já haviam sido retirados do espaço pelo proprietário da residência, e que quatro ficaram na propriedade (com o locatário da residência). Os servidores em nenhum momento realizaram a retirada de animais do local. A fiscalização tem a função de vistoriar questões sanitárias do espaço, e não realiza recolhimento de animais.
- A Prefeitura trabalha na reestruturação do setor da causa animal, buscando desenvolver ações para adoção responsável, ampliação da castração e outras políticas públicas.
- Repudiamos veementemente qualquer forma de maus tratos aos animais.
- Além disso, irá buscar a responsabilização, dentro da legislação, de quem está espalhando as informações falsas."