O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, hoje (3), impor ao governo e às forças de segurança do Rio de Janeiro uma série de medidas e critérios voltados a reduzir a letalidade policial no estado.
Entre as medidas, está a determinação de que o governo do Rio de Janeiro elabore um plano objetivo para conter a letalidade policial, no prazo de 90 dias, e a instalação de equipamentos com GPS e gravação de áudio e vídeo acoplados às fardas dos policiais, no prazo de 180 dias.
“O sistema precisa realmente de uma correção de rumos que proteja a vida e a saúde de todos, ou seja, dos integrantes das comunidades e dos policiais”, disse o presidente do Supremo, Luiz Fux. “É necessária a intervenção do Judiciário”, afirmou.
Nesta quinta-feira (3), o Supremo concluiu o julgamento de embargos na ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) aberta pelo PSB e diversas entidades de defesa dos direitos humanos sobre o assunto. A análise do caso foi retomada ontem (2).
A ação é a mesma na qual Fachin concedeu, em junho de 2020, uma liminar (decisão provisória) suspendendo operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia da covid-19, a não ser em casos excepcionais e justificados por escrito.
Mais de um ano depois da medida cautelar ter sido concedida, o PSB ingressou com embargos (um tipo de recurso) alegando que a decisão estaria sendo descumprida pela polícia do Rio de Janeiro. O partido apresentou dados sobre a queda na letalidade policial no estado após a liminar, e alegou que estaria voltando a subir a letalidade nas ações policiais em meio à pandemia.
A legenda citou casos como a incursão da Polícia Civil na favela do Jacarezinho, em maio do ano passado, em que 28 pessoas foram mortas.
Em decorrência dessa nova petição, Fachin propôs 11 medidas para conter a letalidade policial no Rio de Janeiro, sendo que oito foram aprovadas nesta quinta-feira (3) pelo plenário do Supremo, algumas por unanimidade e outras por maioria.
A imposição da elaboração de um plano para reduzir a letalidade policial, por exemplo, foi aprovada de modo unânime. Pelo voto de Fachin, que prevaleceu, o plano deve ter como objetivo também controlar a violação dos direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses e trazer detalhes sobre medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos recursos necessários.
Outra proposta aprovada por unanimidade foi a imposição de prioridade absoluta às investigações que envolvem vítimas crianças ou adolescentes, bem como a obrigatoriedade de disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados.
Por maioria, o plenário aprovou a imposição de critérios para a atuação policial nas comunidades do Rio de Janeiro, incluindo que a polícia assuma como guia critérios de proporcionalidade no uso da força e excepcionalidade na realização de operações policiais, conforme princípios aprovados pela comunidade internacional.
A maioria também concordou que o uso da força letal por agentes do Estado só se justifica quando exauridos todos os demais meios, inclusive os de armas não letais, ou quando for necessária proteger a vida ou um dano sério decorrente de uma ameaça concreta e iminente.
"Em qualquer hipótese, colocar em risco ou mesmo atingir a vida de alguém somente será admissível se, após minudente investigação imparcial, feita pelo Ministério Público, concluir-se ter sido a ação necessária para proteger exclusivamente a vida e nenhum outro bem de uma ameaça iminente e concreta", diz a decisão final do julgamento.
Nesse ponto, ficou vencido apenas o ministro André Mendonça, que proferiu o seu voto de estreia no Supremo, após ter sido empossado em dezembro. Ele manifestou o temor de que o ponto restrinja a atuação policial indevidamente. “Não é impedindo ou restringindo o agir dessas forças de segurança que se solucionará o problema, pelo contrário”, argumentou.
Mendonça seguiu os demais, contudo, em reafirmar a imposição de condutas como a proibição da execução de mandados judiciais à noite e da utilização de domicílios ou de qualquer imóvel privado como base operacional das forças de segurança. Esses pontos foram aprovados unanimemente.
Entre as propostas de Fachin que foram rejeitadas, está a retirada do sigilo que recai sobre os protocolos de ação das forças de segurança do Rio de Janeiro. O ponto causou divisão entre os ministros, sendo rejeitado por 6 votos a 4. Além do relator, ficaram vencidos Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.
“Os protocolos de atuação policiais tratam de questões sensíveis à atuação das forças de segurança pública, de forma que uma ampla divulgação prévia pode comprometer as suas atividades”, argumentou o ministro Gilmar Mendes, que integrou a corrente vencedora junto com Alexandre de Moraes, André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Luiz Fux.
Outro ponto rejeitado, dessa vez por 10 a 1, foi a previsão de que as buscas domiciliares, quando feitas sem mandado judicial, não pudessem ser realizadas com base somente em denúncias anônimas. Para a maioria, tal instrumento se faz essencial no contexto das comunidades fluminenses.
O plenário também rejeitou a proposta de que o Ministério Público Federal (MPF) fosse declarado órgão responsável por apurar as violações à decisão do Supremo. Para a maioria, tal atribuição cabe, a princípio, ao MP do Rio de Janeiro.
Outra medida rejeitada foi a que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) fiscalizasse a conveniência de mudanças promovidas recentemente no Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), do MP fluminense.