Com apenas três anos de idade, o jovem bento-gonçalvense Augusto Ruzzarin Blanco, de 15 anos, enfrentou o medo da água e começou a praticar natação. O que era para auxiliá-lo para combater o temor se tornou a sua paixão. Hoje, ele se tornou atleta da equipe do Recreio da Juventude, de Caxias do Sul. A história de Augusto se confunde com a do seu ex-treinador, Ênio Guimarães, que entrou para a natação para tentar melhorar a sua respiração, uma vez que tinha asma. No entanto, ao praticar o esporte, também se apaixonou e fez da natação a sua profissão e especialização.
Assim como outros esportes, a natação conta com diversos benefícios para a saúde. A modalidade também se prova apaixonante para quem a pratica, como foi para Augusto e para o treinador Ênio. E, apesar do escasso apoio, o esporte é desenvolvido na Serra Gaúcha através de equipes de Caxias do Sul, fomentando a natação tanto para ofertar uma melhor qualidade de vida como para revelar futuros talentos.
É o caso do Recreio da Juventude, cuja equipe Augusto faz parte atualmente. Desde 2019, o atleta treina e compete pela equipe caxiense com o sonho de alcançar o nível profissional da modalidade. Em 2020, o jovem atleta conquistou duas medalhas de prata nas modalidades de 100m livre e 200m borboleta no Campeonato Gaúcho, realizado no Grêmio Náutico União, em Porto Alegre.
Os bons resultados o credenciaram a participar pela primeira vez do Campeonato Brasileiro, que ocorreu em Colombo-PR. “A natação pode ser um esporte que não tem tanto incentivo no Brasil, mas tem muitas pessoas que praticam. Peguei um índice em duas provas, nos 50m livre e nos 200m borboleta e valeu muito pela experiência”, explica Augusto.
Nesta temporada, o atleta terá pela frente as competições estaduais, que vão oferecer vagas às competições nacionais, além da Copa das Federações, cuja competição Augusto deseja participar através de uma possível convocação para a Seleção Gaúcha.
Em busca de bons resultados, o jovem atleta se espelha em grandes nadadores brasileiros para que, passo a passo, possa alcançar o seu sonho na modalidade, que é se tornar um atleta olímpico de natação. “Não poderia deixar de falar de César Cielo, que é uma inspiração para qualquer atleta, e do Léo de Deus, que foi semifinalista dos 200m borboleta nas Olimpíadas de Tóquio, e que eu o admiro muito”, cita.
Natação como qualidade de vida
Tanto físicos como psicológicos, os benefícios da natação se assemelham como qualquer outro esporte, porém com suas peculiaridades. Ênio Guimarães, ex-atleta de natação, ex-técnico e que atualmente exerce a função de personal training especializado na modalidade, deixou a alta performance, com a qual trabalhou no Recreio da Juventude, inclusive treinando o jovem Augusto, e na Associação Serrana de Desportes Aquáticos (ASDA), para focar na qualidade de vida proporcionada pelo esporte, atendendo desde crianças até idosos em diversos municípios da Serra Gaúcha.
Assim como o bento-gonçalvense, Ênio também começou a natação por motivos de saúde. “Quando era criança, com três a quatro anos, eu tinha asma e a recomendação médica para que eu não tivesse que iniciar as bombinhas, que na década de 1980 continha muita cortisona, era fazer natação. A modalidade virou como se fosse um remédio para que as crises de asma não fossem tão constantes”, comenta.
O treinador nadou no Banespa e no Clube Pinheiros, uma das grandes referências da natação no Brasil e, com 13 anos, se mudou para Bento Gonçalves. Apesar de ficar um tempo longe das piscinas, Ênio retornou à modalidade como auxiliar e, posteriormente, como professor com apenas 16 anos de idade.
Ênio foi um dos fundadores da antiga equipe UCS/Natação - Projeto Olímpico 2004, que depois passou a se chamar Associação Serrana de Desportos Aquáticos, que até hoje fomenta a modalidade na Serra Gaúcha. “A minha vida e a natação correm paralelas desde criança”, pondera o treinador, que foi convocado oito vezes para fazer parte da Seleção Gaúcha de Natação.
Com especialização em medicina esportiva, Ênio, que teve a sua qualidade de vida melhorada através da natação, agora passa a compartilhar o “remédio” através de sua experiência para outras pessoas através do trabalho de personal, que exerce em diversas cidades da região.
“Assim como outros esportes, a natação tem benefícios fisiológicos. Melhora questões como circulação, postura, articulações, respiração. A natação, por trabalhar sem impacto e, na maioria do tempo, na horizontal, faz com que a parte circulatória e cardiorrespiratória seja muito completa. E, até que se prove o contrário, quase todos os músculos do corpo são usados enquanto se está nadando”, relata o treinador, que complementa:
“A modalidade tem uma peculiaridade relacionada a questão psicológica: se você ficar 20 minutos nadando, são 20 minutos que você fica introspectando, pois é você, os azulejos e mais ninguém. Você precisa refletir, introspectar e é difícil isso, é quase como uma meditação. Quem é ansioso tem dificuldades de fazer isso. A natação faz a pessoa aprender a relaxar, ouvir os próprios batimentos cardíacos, buscar resolver seus problemas dentro da cabeça antes de agir”, ressalta.
Fomento da natação na Serra Gaúcha
Além do Recreio da Juventude, que tem como um de seus treinadores Régis Mencia, ex-técnico do Clube Pinheiros, a Associação Serrana de Desportos Aquáticos (ASDA) proporciona a prática da natação para crianças e adolescentes em Caxias do Sul e em Carlos Barbosa. A equipe foi criada em 2005 por um grupo de trabalho oriundo do time que se chamava UCS/Natação. O atual treinador, Allan Werner, na época, era um dos atletas que, inclusive, foi treinado pelo professor Ênio Guimarães.
Com sede em Caxias do Sul, a associação trabalha com diversos parceiros. Atualmente são três núcleos que a equipe trabalha na Serra Gaúcha, sendo dois em Caxias e um em Carlos Barbosa. “Mais recentemente tivemos a abertura do núcleo de Teutônia, mas no ano passado não competiram conosco. Historicamente tivemos outros muitos: no começo da ASDA havia o núcleo do Mergulhão, em Farroupilha, que o Ênio cuidava, e do núcleo de Bento Gonçalves, no Clube Botafogo e, depois, na Natsport, entre outros”, comenta Allan.
Atualmente, a ASDA conta com cerca de 40 atletas, os quais são atendidos pelos profissionais Eduardo Matté, na Pranadar, Allan Werner, na Raiar, ambos em Caxias do Sul, e Marco Aurélio Cardoso, na Acquafitness, em Carlos Barbosa. Participam da equipe de competição atletas de 9 a 18 anos de idade, os quais são federados. Apesar disso, crianças menores de 9 anos também são atendidas pela associação.
“Com 9 anos a criança pode começar a competir em campeonatos com intuito mais formativo. Antes disso, pode-se competir, mas em competições não oficiais. A partir dos 13 anos já se busca uma questão mais de performance, o nível competitivo aumenta e já tem os campeonatos brasileiros. Nosso intuito principal é a formação e temos atletas até os 17 e 18 anos. Já tivemos atletas que já foram para os Estados Unidos e que já foram convidados para clubes maiores, com maior estrutura que, para nós, é uma vitória também”, pondera Allan.
A ASDA, assim como o Recreio da Juventude, atua em competições como o Estadual do Interior, Campeonato Estadual, Sul-Brasileiro e Campeonato Brasileiro de Natação.
Brasil distante de se tornar uma potência na modalidade
O Brasil terminou as Olimpíadas de Tóquio com duas medalhas na natação, sendo uma delas conquistada por um gaúcho. Fernando Scheffer, natural de Canoas, conquistou o bronze nos 200m livre. O carioca Bruno Fratus também obteve a medalha de bronze, porém nos 50m livre. Além disso, o país conta com nadadores reconhecidos e com recordes mundiais, a exemplo de César Cielo. No entanto, apesar disso, a natação brasileira está longe de se tornar uma verdadeira potência, como pondera Ênio Guimarães.
“Esses poucos atletas que vemos se destacando na natação tiveram que fazer o dobro de força que um americano ou um australiano faz. Estamos longe de sermos uma potência. Tivemos o presente que foi o Gustavo Borges, o Xuxa, o César Cielo e nem assim conseguimos ter uma gestão inteligente a nível federal que catalisasse esses ídolos e fizesse com que a modalidade subisse um degrau. Temos ótimos nadadores no Brasil, mas não temos um trabalho de alto nível”, opina.
Ênio traz o exemplo de Fernando Scheffer para elucidar que os nadadores de sucesso partem de ações que são muito mais individuais do que uma junção de esforços coletiva. “Esse menino é de Canoas, foi treinado pela professora Ana Brandão, que o levou para o Grêmio Náutico Gaúcho e conseguiram inseri-lo no Grêmio Náutico União, onde iniciou com o técnico Kiko Klaser a parte mais profissional de sua carreira. Do União, ele foi para o Minas Tênis Clube, onde está treinando há cerca de cinco anos. Ele está na natação desde os sete ou oito anos de idade. É uma iniciativa individual que fez todo o processo. Nos Estados Unidos, na Austrália, na França devem ter uns 30 “Fernando Scheffer”. Não foi uma equipe que estruturou e foi levando o atleta para cima. Foi uma iniciativa individual de uma treinadora que teve a visão de ver o potencial do atleta”, exemplifica.
O treinador relata que, enquanto que nos Estados Unidos há milhares de crianças de dez anos competindo, no Brasil o número é muito inferior. “É brutal a diferença na formação. No Brasil se trabalha em emergência. As bolsas para atletas são políticas de emergência. Eles ajudam a apagar aquele pequeno incêndio, mas não vê de onde vem a causa. Pelo tamanho da nossa população, pela capacidade dos nossos atletas e pela raça que eles têm era para estarmos na primeira página do quadro de medalhas na modalidade”, analisa.
Mesmo com pouco incentivo, a perseverança e a dedicação seguem como elementos que deixam o brasileiro esperançoso para que o país possa contar com novos atletas no topo do pódio nas próximas Olimpíadas. Apesar de ainda estar no início de sua trajetória na modalidade, Augusto é um dos diversos atletas de Bento Gonçalves que almejam alcançar o nível olímpico, neste caso, na natação, para quem sabe trazer a segunda medalha olímpica para a cidade. “É o sonho de todo nadador chegar a uma Olimpíada. Mas sei que vou precisar de muita dedicação e empenho para chegar lá”, pondera a jovem promessa.
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