O Ministério Público Estadual (MPRS) emitiu um parecer técnico apontando uma série de irregularidades na liberação, por parte da prefeitura de Bento Gonçalves, do empreendimento chamado Viverone Garden, localizado na avenida Planalto, junto à esquina com a rua Tocantins – onde ficava a antiga sede da Apae. O documento, assinado pela arquiteta e urbanista Lívia Koch Puperi, do Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias do órgão, avalia o descumprimento de medidas impostas pelo Plano Diretor do município.
Após os apontamentos, em investigação conduzida pela promotora Carmem Lúcia Garcia, a administração suspendeu o alvará da obra desde 17 de dezembro até a realização de audiência com o MPRS no dia 12 de janeiro, para apresentação do retorno aos questionamentos solicitados. "Nessa audiência, poderá ocorrer também a complementação de eventuais elementos que ainda não tenham sido remetidos ao Ministério Público. Dependendo, essa audiência pode marcar a fase final investigativa do inquérito civil", adianta a promotora, que considera graves as falhas do Poder Público no procedimento.
Inicialmente, a arquiteta destaca em seu parecer "que não se faz necessária a realização de vistoria in loco, já que essa tem por objetivo esclarecer questões referentes ao procedimento de licenciamento e não a questões físicas e estruturais da edificação/lote, nem mesmo avaliar a qualidade arquitetônica da edificação".
Não é mezanino, é pavimento
Uma das primeiras irregularidades no projeto diz respeito à altura do novo empreendimento. Junto ao primeiro piso, estariam disposto mezaninos e, mais acima, outros dois pavimentos comuns. Ocorre que, além dos mezaninos, há pelo menos outro cinco espaços intermediários com acesso pela Tocantins. "Dessa forma, estas áreas deveriam ter sido computadas para a definição do número de pavimentos", ultrapassando o limite de três andares para aquele zoneamento.
A ocupação do terraço, de 448 m², também foi questionada, já que não ficou clara na proposta e não se restringiria, como apresentado, somente à casa de máquinas e área técnica. Quanto ao índice construtivo, estranhamente ao longo do expediente de aprovação do empreendimento, apresentam-se diferentes Índices de Aproveitamento (IA) que seriam permitidos para a edificação. "Na aprovação e licenciamento da edificação consta como IA básico de 2,5; já no Estudo de Impacto de Vizinhança apresenta como IA básico de 1,5. Portanto não foi possível compreender qual dos dois parâmetros fora utilizado para licenciar a edificação e se as áreas propostas condizem com estes", diz o parecer.
O procedimento de análise do projeto foi outro ponto que gerou dúvidas. "É estranho que o alvará tenha sido concedido em mesma data do protocolo de entrega do EIV e que não haja qualquer manifestação técnica sobre sua validade ou não. Assim como a situação do EIV e Estudo de Qualidade Ambiental, submetidos ao Conselho após a emissão do alvará", acrescenta o documento. O texto diz ainda que "seria fundamental a avaliação dos impactos da edificação em seu local de implantação, visto a necessidade de compatibilização das diferentes atividades".
Heliponto
Essa necessidade de uma avaliação mais aprofundada é justificada, inclusive, pela presença de um heliponto na edificação. "Mesmo que se desconsidere a questão referente ao zoneamento urbanístico, só a proposição de um heliponto já caracterizaria impacto suficiente para ser analisado de forma mais criteriosa, visto que o impacto deste serviço não seria somente na edificação, mas em seu contexto urbano e regional", avalia a arquiteta do MPRS. Por se tratar de uma obra "especial", o heliponto exigiria uma série de cálculos estruturais e da área do entorno que, mais uma vez, não foram disponibilizados.
O laudo ainda caracteriza como uma "análise precária" o conteúdo do Estudo de Impacto de Vizinhança apresentado, por desconsiderar justamente o mais importante: a vizinhança. "Algumas questões não foram devidamente enfrentadas nas análises, como a questão da inserção da edificação em seu contexto urbano, onde as imagens apresentadas não possuem projeção das edificações vizinhas, que tem por finalidade identificar adequadamente o impacto da edificação nos itens que tratam do uso e ocupação do solo, ventilação e iluminação e paisagem urbana". Curiosamente, o EIV destaca que o empreendimento não geraria “qualquer equipamento que cause ruído excessivo”.
Medida mitigatória para valorizar o próprio empreendimento
As irregularidades não param por aí: ainda como medida mitigatória de seu impacto, é proposta a criação de uma praça central no próprio empreendimento. "Entretanto esta proposição arquitetônica em nada se caracteriza como mitigação ou compensação de um possível de impacto, já que é uma medida de valorização do próprio empreendimento ao criar elementos atrativos aos usuários em sua própria estrutura. Uma possível estratégia de mitigação ou compensação do empreendimento deveria ser proposta a partir da leitura dos impactos negativos e implementação do empreendimento no território urbano; a título de exemplo, dentre outros pontos, análise do possível conflito entre os usos comerciais e usos residenciais próximos foi desconsiderado pelo proponente enquanto impacto", segue o parecer.
Por fim, mas não menos preocupante, a urbanista salienta que "não há qualquer manifestação/avaliação, por parte do órgão competente, quanto à análise destes estudos. Não é possível afirmar que estes foram considerados para a aprovação do referido empreendimento".
Alternativa de medida mitigatória
Nos bastidores, a prefeitura de Bento já trabalha como uma possibilidade de "sugestão" de medida mitigatória para compensar os impactos do Viverone Garden na região dos bairros São Bento e Planalto. Trata-se de a construtora responsável assumir a revitalização da Via Gastronômica, que custaria, em sua primeira etapa, R$ 4,5 milhões aos cofres públicos. Assim, o governo municipal poderia resolver dois problemas de uma só vez, já que tem tido dificuldade de encontrar empresas dispostas a participar da licitação.
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