Uma das mais profundas radiografias já realizadas sobre qualificação profissional em Bento Gonçalves, com foco em suprir as carências dos segmentos econômicos nessa área, está sendo apresentada pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC-BG) e pelo Bento+20 como embasamento de um projeto que pretende colaborar de forma determinante para a supressão desse relevante gargalo corporativo.
A pesquisa realizada com a participação de mais de 220 empresas comprovou uma percepção já conhecida nas organizações: 86% delas afirmaram ter problemas com falta de mão de obra qualificada. Há vagas disponíveis e, na outra ponta, pessoas querendo trabalhar. Porém, o que impede o sucesso dessa conexão, muitas vezes, é a falta de qualificação específica para que os profissionais consigam se enquadrar nas oportunidades existentes.
O resultado impõe um desafio às empresas, entidades representativas, escolas, universidades e ao poder público: trabalhar de forma combinada para viabilizar uma solução real e integrada à demanda, na avaliação do presidente do CIC-BG, Rogério Capoani. “Além do mérito de identificar quais os gargalos em termos de mão de obra para os setores produtivos, essa pesquisa é o primeiro passo de um projeto macro que, graças a um sólido trabalho colaborativo, pretendemos edificar para contribuir com o desenvolvimento e crescimento dos setores, em especial o industrial, grande fomentador econômico do município”, comenta o presidente. Esse pilar – de trabalhar pelo fortalecimento da indústria – é um dos pilares da gestão de Capoani (2020/2021) frente à entidade.
Realizado com apoio da Universidade de Caxias do Sul (UCS), o estudo contou também com a participação de entidades de classe para mapear cada segmento da indústria, do comércio e dos serviços por clusters (empresas com características semelhantes). Elas também auxiliaram no refino dos postos de trabalhos de cada tipo de negócio, facilitando o preenchimento das respostas. A prefeitura, com sua base de dados, também foi determinante na parceria do projeto, por meio da secretária de Desenvolvimento Econômico, Milena Bassani.
Indústria tem necessidade de bons auxiliares de produção
Na indústria, os clusters foram divididos nos segmentos moveleiro; máquinas, metalmecânico e metalúrgico; construção civil; e outros clusters (bebidas, papel e celulose, borrachas e plásticos e alimentícia). Em cada um deles, as empresas preencheram as funções em que sentem maior necessidade de pessoal especializado nas áreas operacional, administrativa e de gestão. No setor moveleiro, principal motor da indústria de Bento Gonçalves, apareceram como maiores carências das 26 empresas participantes da pesquisa, respectivamente, auxiliar de produção (17%), assistente/analista comercial (16%) e supervisor/gerente industrial (19%).
Considerando a indústria como um todo, essas últimas duas posições também aparecem como necessidades de todos os clusters nas áreas administrativa e de gestão, com 14% e 15%, respectivamente. Na área operacional, a que mais apareceu foi assistente/analista de sistemas e TI, com 6%. Já entre todos os postos de trabalho das indústrias, as principais funções requisitadas são auxiliar de produção (13,7%), operador de máquina (9%) e assistente/analista comercial (8,8%). Para o futuro, auxiliar de produção também lidera, com 6,85%, seguido de analista de TI (5,94%) e operador de máquina (4,57%).
Uma conclusão é evidente – e unânime – com base na avaliação dos dados: a falta de qualificação profissional é o gargalo que precisa ser sanado urgentemente, na percepção do vice-presidente de Assuntos da Indústria do CIC-BG, Francisco Bertolini. “Estamos vivendo uma carência de mão de obra que tende a se agravar e, também, generalizar. Faltam profissionais qualificados para exercer desde as atividades básicas até aquelas que requerem maior complexidade de formação técnica”, diagnostica. É preciso que os profissionais revejam o olhar sobre essas atividades, na opinião do gestor. “Há muito potencial em nichos como operação avançada de máquinas, tecnologia da informação, entre outros tantos. Mas é necessário que haja interesse das pessoas em se preparar e qualificar para tais tarefas”, diz.
No comércio, faltam vendedores qualificados
O comércio foi o único dos segmentos econômicos reunido num único cluster – comércio geral. Para esse setor, a falta de vendedores qualificados é a principal demanda, tanto para o momento atual quanto para futuro. O que muda é a proporção. Para hoje, essa é uma necessidade para 23,3% dos 31 estabelecimentos consultados, enquanto para o futuro essa preocupação foi apontada por 31,6% das empresas. Balconista/atendente e assistência técnica/pós-venda, com 16,4% e 13,7%, respectivamente, fecham o trio de dificuldades para o comércio hoje. Já para o futuro, além de bons vendedores, são previstas dificuldades com as funções de marketing/marketing digital e de almoxarife/estoquista, ambas com 7%.
Para serviços, analista de sistema é principal gargalo
No segmento de serviços, a pesquisa foi dividida em seis clusters – alimentação e hospedagem; transporte e logística; assessoria contábil, jurídica, imobiliária e outras; tecnologia da informação; educação; e prestação de serviços. Ao todo, 111 empresas participaram da pesquisa. De maneira geral, a maior carência apresentada pelo setor de serviços diz respeito à analista de sistema e TI (5,8%), seguida de supervisor/gerente de operações (5,1%) e de recepcionista/atendente (4,5%). Para o futuro, o cargo de analista de sistema também aparece como maior preocupação, com 6,3% dos casos.
Dados embasam criação de portal
Um grande esforço coletivo, comandado pelo CIC-BG e pelo Bento+20, está sendo encampado para viabilizar a realização do projeto. O movimento iniciou com a reunião de entidades e poder público em um grupo de trabalho a fim de identificarem os clusters da economia de Bento Gonçalves. Então, ocorreu a pesquisa junto às empresas. De forma paralela, cerca de dez instituições de ensino e centro de formações profissionais compartilharam seu portfólio de cursos oferecidos na região.
Agora, o projeto segue com o objetivo de incluir a formação da mão de obra apontada como deficitária no currículo das instituições e, então, fazer o encaminhamento dos profissionais devidamente qualificados para preencher as vagas existentes. Isso deve ocorrer com o suporte de tecnologias de inteligência artificial (learning machine), especializadas no cruzamento estratégico de informações, gerando dados que serão o motriz dessa engrenagem.
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A proposta envolve o desenvolvimento de uma plataforma digital que conecte empresas, agências de empregos e instituições aos profissionais. Na prática, isso significa identificar onde estão as oportunidades de contratação por parte das empresas, acionar as instituições de ensino para gerar cursos temáticos de qualificação, selecionar os profissionais com perfil mais adequado para participar das capacitações e, então, encerrar o encaminha-los para contratação das corporações. “É um trabalho revolucionário, uma grande chance de transformar nossos já desenvolvidos setores econômicos em segmentos ainda mais competitivos”, observa o presidente do Bento+20”, Milton Milan.
Provocação e mobilização coletiva
A força coletiva que mais uma vez juntou entidades para esse trabalho foi um dos aspectos destacados pelo vice-presidente do Bento+20, Adelgides Stefenon, também coordenador da câmara técnica da Indústria, Comércio e Serviços do órgão. Ele lembrou, por exemplo, do surgimento do primeiro curso universitário voltado ao setor moveleiro do país, nos anos 1990, criado através da união da Movergs, do Sindmóveis, do Senai e da UCS. “É assim que se constrói uma cidade, com todos trabalhando unidos. Mais uma vez estamos aqui por conta das demandas apresentadas pela sociedade, e mais uma vez estamos trabalhando junto para construir um caminho coletivo, desta vez contando com um centralizador das ações, o Bento+20”.
Essa é uma percepção também de Bertolini, que julga o Bento+20 o fórum adequado para a coletividade das ações. “É fundamental que a sociedade se uma para realizar as ações e evoluirmos diante dessa dificuldade. Se cada um tomar ações separadas, a gente vai perder força, e o Bento+20 é um espaço para essa união no sentido de termos resultados mais concretos”, avalia.
Além do CIC-BG, fazem parte do grupo de trabalho CDL-BG, Sindilojas Regional Bento, Segh-BG, ADRH-BG, Emater/Ascar, Aprovale, UCS, FTEC, Faculdade Cenecista, IFRS, Sebrae, 16ª Coordenaria Regional de Educação, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Sesi, Senai, Senac, Senat, além de sete câmaras técnicas do Bento+20 – Educação; Inovação, Tecnologia e Empreendedorismo; Turismo e Cultura; Indústria, Comércio e Serviços; Desenvolvimento Rural; Cidadania; e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Outros dados da pesquisa
- A maior parte das empresas participantes é do setor de serviços, com 46%. Indústria aparece com 40% e comércio, 14%
- O segmento que relatou mais dificuldade com mão de obra foi a indústria. Das 90 empresas que responderam à pesquisa, 93% apontaram o problema
- Das 223 empresas participantes, a maior parte (32,7%) tem entre 20 e 99 funcionários
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