Após uma avalanche de cobranças e críticas quanto à atuação da prefeitura com relação à causa animal em Bento Gonçalves, o Poder Público afirma que irá "verificar as possibilidades de ampliação" dos serviços oferecidos, tanto no que se refere às castrações como a outros atendimentos necessários após resgates feitos na cidade. Há dez dias, uma audiência na Câmara debateria principalmente o projeto do Código de Bem-Estar animal, mas acabou servindo como uma oportunidade para que entidades, protetores independentes e até outros órgãos públicos, como a Brigada Militar, expusessem a falta de ação da administração.
Questionada sobre o que efetivamente pode ser feito a curto prazo para atender às demandas apresentadas no encontro, a prefeitura ainda não trouxe respostas concretas, mas diz que irá aprofundar a discussão junto aos grupos envolvidos. "O município irá debater em conjunto com os representantes da causa animal um novo formato de chamamento público", destaca o secretário-adjunto da Saúde, Gilberto Júnior, com relação ao processo de esterilização de cães e gatos. A promessa é também de avaliar a possibilidade de inserir outros serviços veterinários mais urgentes em um novo edital, mas ainda não há nada definido.
Embora tenham sido feitas aproximadamente 700 destas cirurgias neste ano, de acordo com números apresentados pelo próprio secretário, há 1.500 pets na fila, dos cadastros realizadas em agosto e ainda em janeiro deste ano. A justificativa para a demora, além da existência de apenas uma clínica conveniada, é a "triagem" realizada antes das operações. "Não realizamos castrações em qualquer animal, ele passa por uma triagem, cada responsável passa por um critério de avaliação, como pessoas de baixa renda, proprietários que estejam em programas públicos da causa animal, animais de ONGs e protetores voluntários", completa.
Da Tribuna da Casa, durante a audiência, vieram reivindicações fortes por parte da comunidade, principalmente para que o governo aumente o aporte de recursos para a causa, que hoje é sustentada, em grande parte, pelo trabalho dos protetores e seus apoiadores. "Nos cabe passar como mendigas virtuais, pedindo auxílio para os mais diversos casos que se apresentam. E do Poder Público a gente não tem respaldo nenhum", reclama Noely Olbacher, da Amores Pet. Ela também criticou a previsão da nova legislação de que cada tutor mantenha, sob sua guarda, no máximo 20 animais, sob pena de multa. "Ao invés de apoio, vamos ter uma punição", lamenta.
Esse trecho do texto também foi alvo de um pedido de revisão por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "O limitador não é numérico, são as condições oferecidas a estes animais", ressalta Andréia da Silveira, que falou em nome da entidade. Outro ponto ao qual foi solicitada atenção é o artigo que trata da eutanásia e que, em um dos incisos, reconhece como legal a prática em casos nos quais "o tratamento representar custos incompatíveis com a atividade produtiva a que o animal se destina ou com os recursos financeiros do proprietário". "Esse dispositivo pode abrir precedentes para eutanásias indevidas", alerta.
O aumento de clínicas conveniadas foi bastante cobrado na reunião, e não apenas para ampliar o número de castrações, mas poder abrir o leque de atendimentos às mais diversas situações. Essa cobrança não é novidade, segundo os relatos apresentados, mas não houve avanço neste sentido nos últimos meses. "Em março deste ano, a gente teve uma reunião com o prefeito e um secretário, visando aumentar o número de clínicas conveniadas para que a gente possa aumentar o número de castrações e também atender a outras questões que hoje não são alcançadas. Eu cobro quase que mensalmente no grupo que foi criado e a resposta é sempre a mesma: 'a gente está verificando'. Mas quanto tempo demora para verificar isso? Não é incomum a gente gastar mais de R$ 2 mil com um único animal. E esse dinheiro vem do nosso bolso, vem do bolso de pessoas que confiam na gente. Nós fazemos o trabalho da prefeitura e deveríamos ser valorizados por isso", desabafa Greicy Giotto, do projeto Gatitude.
"Precisamos de estrutura"
A protetora Márcia Manuel (foto acima) lembrou que, em muitos casos de animais resgatadas, a castração não é o único problema. "Antes de uma castração, o que eles precisam é, no mínimo, de um atendimento básico, porque eles têm patologias, estão doentes. Eles não aguentam uma anestesia e vão a óbito. E o pós-cirúrgico é muito mais importante do que a própria cirurgia. Como a gente vai querer cobrar de uma família que não tem condições financeiras para sua própria subsistência, que vá amparar o pós-cirúrgico de uma cadela ou de uma gata? Não precisamos apenas de mais castrações, precisamos de estrutura, um hospital veterinário de qualidade. Se não tiver um prédio público, que se tenha convênio com clínicas e que se faça assistência pré e pós. Não adianta castrar e largar na rua ou mandar para casa com pontos que vão infeccionar, e o animal ter que voltar para a clínica, se não for a óbito antes. É vergonhoso, mas é assim que nossos animais estão sendo tratados", aponta.
Para corroborar com todas as colocações de entidades e voluntários da causa, a Brigada Militar também usou o espaço para pedir mais empenho da prefeitura. Conforme a capitã Estefanie Caetano, somente neste ano foram recebidos 172 chamados pelo telefone 190 para atendimentos relacionados à causa animal. "Nós temos muitas dificuldades de criar um fluxo de atendimento destas ocorrências. Precisamos de um suporte do município, de uma rede de apoio. Mas o sistema tem que funcionar 24h, como funciona o atendimento de ocorrências", salienta. Nos flagrantes de maus-tratos, por exemplo, é preciso que um veterinário ateste em que condições o animal foi encontrado, para que se possa punir o infrator.
Por fim, o sargento Morais, da Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram) de Bento Gonçalves, fez uma manifestação em tom de "pedido de socorro". "Dói ver as pessoas ligando para o 190 e nós não termos um suporte do Poder Público municipal. Em municípios muito próximos a Bento é invejável a estrutura que eles têm, mas Bento nos deixa de mãos amarradas. A sociedade cobra uma solução efetiva e imediata. Sozinho não fazemos nada e já passou da hora de Bento Gonçalves dar sua parcela de contribuição", conclui.
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