Imagine conviver com o mais absoluto silêncio ou com ruídos fragmentados, arremedos de sons que jamais sabemos ao certo se são reais ou meros espectros de algo que nunca sentimos. Agora feche os olhos, tente ouvir tudo ao seu redor, com a máxima atenção, como se de uma hora para outra ligássemos um aparelho e pudéssemos ouvir de um jeito que nunca tivéssemos escutado.
Para o primeiro paciente de uma cirurgia de implante coclear da Serra Gaúcha, o arquiteto caxiense Cristiano Faganello, 30 anos, esse foi um dos sentimentos demonstrado na tarde desta quinta-feira (2). A equipe profissional formada pelas fonoaudiólogas Tatiana Garbin Bueno, Nayara Fernandes e Karem Balen realizou o procedimento de ativação do dispositivo eletrônico, que foi implantando no dia 7 de agosto, no Hospital Saúde, em Caxias do Sul. O médico otorrinolaringologista Dr. Gustavo Vergani, responsável pela cirurgia, também acompanhou a habilitação.
Em 1h30min, a sessão de ativação objetivou determinar os níveis de estimulação capazes de restaurar a audibilidade de sons fracos e atingir a normalização de percepção de intensidade para uma ampla faixa de entradas sonoras, como ruídos, palmas e tons diferentes de voz. Através de uma escala de percepção sonora, as profissionais chegaram à primeira regulagem do aparelho, que a cada semana pode ser ajustado com maiores níveis de volume e de sensibilidade às frequências que costumamos ouvir no dia a dia. “Eu estava muito ansioso para que esse dia chegasse, mas, agora, essa ansiedade virou alegria de poder escutar melhor. Tudo para mim é novidade, eu estava acostumado com o aparelho convencional e agora sei que terei que me adaptar a ouvir de um jeito diferente”, relatou entusiasmado Cristiano, ao sair do procedimento.
A fonoaudióloga Tatiana Garbin Bueno, da Audizione Neuroaudiologia, explica que neste primeiro momento o mais importante é fazer com que o paciente tenha audibilidade e conforto aos primeiros sons. Ela diz que profissionais habituados ao processo de adaptação de aparelhos auditivos e implante coclear conhecem a necessidade de cautela, sem criar grandes expectativas no começo do processo. “Frequentemente a ativação do implante e a estreia com um aparelho não são momentos agradáveis. Se precisamos de treino e perseverança, por exemplo, para aprender a tocar um instrumento, aprender a jogar algo, aprender matemática, imagine para se comunicar. Por isso, é fundamental o acompanhamento profissional após essa ativação”, reforça a especialista em audiologia com enfoque em tecnologia para reabilitação auditiva.
Já a também fonoaudióloga Nayara Fernandes, da empresa austríaca Medel (fabricante do aparelho), se mostrou surpresa com os resultados logo após a ativação do sistema. “Mesmo com os interlocutores falando de máscara, o paciente conseguiu entender a maioria das palavras e sons. Na medida em que vai se acostumando com essas novas frequência que passa a escutar, ele vai ganhando muito em conforto auditivo e qualidade de vida”, garante.
Até os três anos de idade, Cristiano não ouvia absolutamente nada, já que nasceu com perda de audição severa à profunda em ambos os ouvidos, causados pela rubéola contraída durante a sua gestação. Dos três aos 30 anos, escutava apenas com aparelhos convencionais, que não supriam todas as necessidades auditivas e que muitas vezes demandavam de apoio da leitura labial. Agora, com o implante coclear, ele não tem medo do que virá pela frente e acredita que poderá ter mais chances no mercado de trabalho. “A maioria dos empregos exigem habilidades de comunicação, com meios eletrônicos como telefone. Acredito que agora terei mais facilidade para desenvolver bem essas habilidades. É difícil explicar, mas estou ansioso para descobrir os sons, quando é mais baixo, mais alto, aumentar minhas percepções do barulho, os sons dos carros, compreender a pronúncia da língua inglesa.... são tantas novidades e o que mais quero é me adaptar e ter melhores oportunidades”, afirma o arquiteto.
O processo de reabilitação será orientado pela fonoaudióloga Karem Balen, que faz acompanhamento do paciente desde a infância, com sessões semanais, e a cada três meses Cristiano realizará o mapeamento do dispositivo. “Uma simples batida de porta, ou outros ruídos que podem parecer normais, para o paciente podem ser bastante desconfortáveis. Por isso, precisamos acompanhar essa evolução e adaptação para não causar nenhum transtorno na sua vida a partir de agora”, resumiu Karem.
Cirurgia inédita na Serra Gaúcha
A cirurgia de implante coclear foi realizada no dia 7 de agosto e entrou para a história por ser o primeiro procedimento desta natureza ocorrido em uma cidade do interior do Estado. A operação foi realizada no Hospital Saúde, pelo convênio Fátima Saúde, e envolveu uma equipe de cerca de 10 profissionais, entre eles médicos otorrinolaringologistas e neurologista e fonoaudiólogas especializadas em programação e reabilitação de implante coclear. Em 2h30min de operação, o dispositivo médico eletrônico foi inserido no ouvido direito do arquiteto Cristiano Faganello.
O médico otorrinolaringologista Dr. Gustavo Vergani, de Caxias do Sul, que coordenou a cirurgia realizada em agosto, também acompanhou a ativação do implante coclear. Ele afirma que o procedimento pode ser feito tanto em recém-nascidos como em idosos que não têm melhoras significativas com aparelhos convencionais. “Se temos esses recursos, por que não vamos utilizá-los para melhorar a vida de tantas pessoas que sofrem com perdas auditivas e muitas vezes aprendem a conviver com isso sem ter uma chance de reabilitação?”, questiona.
A cirurgia de implante coclear tem cobertura obrigatória dos planos de saúde, segundo determinação da Agência Nacional de Saúde (ANS), e é assegurado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em Porto Alegre a cirurgia já é oferecida desde 2013.
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