Nas Olimpíadas de Tóquio 2021, assim como em qualquer outra competição de escalada, as provas são realizadas “indoor”, ou seja, em paredes dentro de um ginásio. Porém, em Bento Gonçalves, os apaixonados pelo esporte não só praticam a modalidade em muros que simulam a escalada e o montanhismo dentro de quatro paredes, como também desbravam inúmeros paredões rochosos em encostas íngremes localizadas na Serra Gaúcha, que conta com um revelado bastante escarpado, ou seja, com aclives de terrenos que faz reunir atletas de todas as partes do Brasil para a prática do esporte.
Em Bento Gonçalves, a escalada é praticada desde a década de 1990. Em 1994, foi fundado o Clube de Montanhismo Ecológico Leão Gropo, um dos clubes mais antigos do Estado, que tem sua sede no Ginásio Municipal Darcy Pozza. O grupo de amigos, que compartilham da mesma paixão e filosofia de vida, fomenta a prática da modalidade em Bento e região, e é responsável pela catalogação de centenas de vias em diferentes localidades da Serra Gaúcha, dentre elas os paredões da Eulália e do Burati, os primeiros a serem explorados na cidade.
Na Escalada Indoor, os muros localizavam-se em diferentes locais. Os primeiros, de 1995 a 2002, tinham como sede a Phantom, no Susfa, e nos pavilhões da Fundaparque, quando ocorria a ExpoBento. No Ginásio Municipal, os muros de escalada foram montados em 2005, onde permanecem até hoje.
“O Leão Gropo é um grupo de amigos que gostam da mesma coisa e juntos conseguimos ter mais força para construir uma estrutura. Tudo isso foi construído por nós, conforme a necessidade. Começou menor e depois teve várias reformas para aprimorar cada vez mais os muros de escalada”, relata Anderson Cará, de 47 anos, presidente do grupo, o qual pratica o esporte há 21 anos.
As modalidades
Nas Olimpíadas, os atletas encararam três modalidades diferentes para conquistar as medalhas: Speed, Boulder e Lead. No Boulder, as paredes têm em média 4 metros de altura e os atletas não são presos por cordas de segurança. Cada atleta deve subir o maior número de rotas fixas possíveis em quatro minutos e não é permitido praticar escalada com antecedência. Eles completam uma rota quando agarram o último ponto no topo de uma rota com ambas as mãos.
No Lead, os escaladores são presos em cordas de segurança e têm seis minutos para escalar uma parede de 15 metros. Quando um atleta prender sua corda ao suporte superior, ele completou a escalada. Os atletas que amarram a corda no ponto mais alto são classificados de acordo com seu tempo. No Speed, que é a modalidade mais nova da escalada, os atletas sobem uma parede de 15 metros de altura, com um ângulo de 95 graus. Dois atletas competem pelo tempo mais rápido até o topo dessa parede de escalada em vias idênticas.
Na sede do Leão Gropo, há duas modalidades: a estrutura conta com um muro de Boulder de quatro metros de altura e 12 metros de extensão com inclinação positiva, vertical e negativa, variando de 25 a 45 graus; e muro de escalada de Lead de cerca de 8 metros, com inclinações que variam de positivo à negativo leve. As modalidades, no entanto, não são praticadas a nível competitivo, e sim para treinamentos, sobretudo como preparação para escaladas em rocha, que são praticadas quase todos os finais de semana pelos membros do grupo.
Esperança pelo crescimento da modalidade no Brasil
Atualmente, a diferença do nível de profissionalismo no esporte no Brasil e na América do Sul em relação à Europa, por exemplo, é gritante. Prova desta distinção é o fato de nenhum atleta sul-americano ter chegado nas Olimpíadas de Tóquio 2020. Apesar disso, há a esperança de que, com a estreia em jogos olímpicos, a modalidade possa ser ainda mais difundida no Brasil e no continente.
O primeiro impacto das Olimpíadas na modalidade já pode ser provado com a futura construção do primeiro Centro de Treinamento Olímpico de Escalada Esportiva, em Curitiba-PR. “Com certeza os atletas vão receber maior incentivo e vai aumentar a tecnologia. Nos Jogos Olímpicos não tinha nenhum sul-americano, porque é muito diferente a tecnologia de treinamento para escalar na Europa. Acredito que vai ter mais investimento, como o surgimento do centro de treinamento, em Curitiba. Isso é reflexo sim”, opina Anderson Cará.
Além disso, a América do Sul pouco contava com muros para a modalidade Speed, que difere de forma significativa das outras modalidades, uma vez que não pode ser praticada em rocha. Conforme o escalador Ronaldo Ferrari, que pratica o esporte há quatro anos, o Brasil passou a contar, a partir de 2019, com o aparelho para a modalidade de velocidade. “Até 2019 não havia nenhum muro de velocidade. Agora tem dois ou três no Brasil, cujos aparelhos necessitam ter as agarras homologadas. Também é reflexo das Olimpíadas”, relata.
Apesar disso, Anderson prevê que o Brasil leve um significativo período de tempo para contar com um representante nas Olimpíadas, sobretudo pela falta de estrutura e investimento. “Para chegar em uma Olimpíada acredito que vai demorar. Vai começar a se criar essa geração olímpica projetando uma participação talvez não em Paris, mas sim no outro ciclo olímpico”, opina Anderson.
Bento Gonçalves já contou com um representante em competição de nível Mundial
Bruno Milani, de 29 anos, natural de Bento Gonçalves, pratica escalada desde os 13 anos de idade. Em 2009, ele participou do primeiro Campeonato Brasileiro Juvenil, em Curitiba, terminando a competição em 5º lugar. No ano seguinte, Bruno se sagrou vice-campeão da competição nacional, garantindo uma vaga ao Mundial da modalidade, que ocorreu em Edimburgo, na Escócia.
“No campeonato o nível é bastante elevado. Não tínhamos uma estrutura muito boa. Temos uma mega estrutura aqui em Bento, mas precisa aprimorar alguns treinos. Na Europa os escaladores têm maior facilidade pela estrutura e pela cultura do esporte. Infelizmente naquela oportunidade ninguém passou para a semifinal, mas adquiri muita experiência”, relata.
Atualmente, Bruninho, como é chamado pelos amigos da escalada, não pratica mais o esporte, mas o levou para a sua profissão, uma vez que é proprietário de uma empresa de escalada industrial. Para Bruno, que já competiu em diversos campeonatos de nível nacional e estadual durante sua trajetória no esporte, pondera que a escalada tende a crescer ainda mais ao se tornar olímpico. Mas, para isso, vai exigir estrutura e tecnologia, uma vez que quanto maior a variedade de desafios, mais rico se torna o repertório do escalador.
“Ao se tornar olímpica traz muito mais visibilidade, pois tem muitas pessoas que não conhecem o esporte. O próprio cenário brasileiro cresceu muito. Hoje existe uma Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE), que teve um aporte financeiro do governo ao ter se tornado olímpico. Mas o crescimento nas cidades menores vai depender de alguém fomentar isso, de ter um clube ou ter um ginásio”, opina.
Além de Bruninho, um dos fundadores do Leão Gropo, Paulo Roberto Teixeira, atualmente é uma das grandes referências da modalidade e do montanhismo em Bento Gonçalves e região. Ele já escalou a Aconcágua, montanha mais alta fora da Ásia, localizada na Cordilheira dos Andes, na província de Mendoza, na Argentina. Com 6.961 metros de altitude, é o ponto mais alto tanto do Hemisfério Ocidental quanto do Hemisférico Sul.
A fomentação da escalada em Bento Gonçalves
O Leão Gropo conta com cerca de 30 associados, com uma faixa etária que vai desde os 14 anos de idade até os 50 anos, contando tanto com o público masculino como feminino. O esporte, acima de tudo, é democrático, uma vez que qualquer pessoa, independente do seu porte físico, pode praticá-lo.
“Ao mesmo passo que pode ter uma via extremamente difícil, você pode ter um boulder extremamente fácil, no qual uma criança pode executar, um adulto, uma pessoa com um pouco mais de peso pode praticar, até um anão, como temos um caso aqui no Rio Grande do Sul. Existem também paralimpíadas de escalada”, explica Bruno Milani.
Apesar de que, nas Olimpíadas, só há a disputa da Escalada Indoor, o apreço pela modalidade surge, sobretudo, segundo Anderson, quando as pessoas transpõem a prática dos muros de escalada dos ginásios para os paredões rochosos em meio à natureza. “A pessoa que não for escalar na rocha acaba não ficando no esporte, porque é diferente que no Indoor. Aqui no ginásio, na verdade, é quase uma academia. Os atletas que disputaram as Olimpíadas, na grande maioria, só escalam indoor, eles treinam para isso. São coisas diferentes”, ressalta o presidente do grupo.
Faça chuva ou faça sol, Anderson pondera que sempre há pessoas do grupo praticando escalada nas mais diversas localidades da Serra Gaúcha todos os finais de semana. “Além da diversão e do estilo de vida, começa a entrar o esporte. Cada um começa a procurar o seu objetivo, seja em rotas de grau de dificuldade elevado ou não. Todo final de semana, não importa se chove, sempre procuramos um lugar protegido da chuva e sempre há alguém praticando escalada”, ressalta.
A escalada, mais que um esporte, se tornou uma filosofia de vida para os atletas, a exemplo do casal Jocélia Cagliari e Cristiano Sartori, que praticam o esporte juntos há sete anos. Na lua de mel, eles compartilharam um momento ímpar ao escalar o Dedo de Deus, na Serra do Mar, no Rio de Janeiro.
Através da escalada, Jocélia e Cristiano conheceram novos lugares e amigos e, acima de tudo, buscaram alcançar o próprio limite por meio da superação. “Cada via que enfrentamos se tornam desafios e ficamos pensando como resolver esses desafios durante a semana. Às vezes não é uma resolução apenas de força, e sim de acreditar, de confiar, de ir ao limite. Qualquer superação que a gente faz na escalada nos dá ainda mais energia para escalar cada vez mais”, relata Jocélia.
Mãe de gêmeos, Jocélia almeja que os seus filhos sigam o mesmo caminho, não necessariamente na escalada, mas que mantenham o contato com a natureza e com o esporte. “A gente sempre os leva e queremos que eles cresçam nesse espírito de estar na natureza, de estar com pessoas boas que nos fazem tão bem. A escalada se tornou rotina nas nossas vidas e praticamente uma dependência”, afirma.
Como praticar escalada
Para praticar escalada em rocha, é necessário, acima de tudo, um curso especializado sobre a modalidade, no qual se obtém conhecimento de todos os procedimentos de segurança essenciais para o esporte. No Leão Gropo, não há nenhum profissional capacitado para isso. “A escalada é um esporte de risco. A pessoa tem que ser consciente de que pode sofrer um acidente. Para minimizar o máximo possível isso é através de conhecimento, que pode ser obtido por meio de cursos”, afirma o presidente Anderson.
Já para a prática da Escalada Indoor, não há a necessidade de realizar um curso de capacitação. No Leão Gropo, qualquer pessoa que almeja conhecer o esporte e praticá-lo pode comparecer à sede e fazer parte do grupo.
“Quem quer só aprender o esporte e treinar aqui no muro é só chegar. A gente dá um prazo de uma ou duas semanas e depois ele pode se associar, podendo escalar a hora que quiser quando o ginásio estiver aberto. A pessoa que não deseja se associar pode pagar a diária dos dias que almeja praticar o esporte nos muros. Todo o valor é revertido para a manutenção e aprimoramento da estrutura do Leão Gropo”, explica Ronaldo Ferrari.
A prática da escalada exige não só técnica e força física, sobretudo nos membros superiores; o esporte também trabalha o psicológico do atleta, principalmente quando é praticado em gigantescas escarpas em meio à natureza. “Sempre falo que a cabeça te derruba antes que o teu corpo. É preciso muito treinamento. Quando começa a praticar indoor, você nota a necessidade de reforço muscular e treinamento específico”, pondera Anderson.
Como qualquer outro esporte radical, a escalada faz os atletas alcançarem o seu limite e impor a superação para enfrentar os desafios acima de qualquer insegurança. Além disso, ao se tornar uma filosofia de vida para inúmeras pessoas, valores como o companheirismo e confiança se sobressaem, como é provado no Leão Grupo, no qual, apesar de não contar com nenhum profissional especializado para ensinar novos integrantes a escalar, ninguém se recusa a ajudar o próximo a superar os seus limites.
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