Carismático e sempre com um largo sorriso no rosto no “terceiro tempo”, quando os atletas se reúnem após o término de uma partida para confraternizar, mas um oponente nada desejável dentro das quatro linhas: o atleta do Farrapos Jardel Vettorato, de 35 anos, anunciou a sua aposentadoria na Seleção Brasileira de Rugby, deixando um grande legado e uma legião de admiradores pelo Brasil. Responsável por ajudar a criar uma marca para os Tupis, com o imponente scrum, o pilar agora almeja ajudar no crescimento da modalidade, porém fora do embate dentro de campo.
Jardel Vettorato teve uma vasta trajetória pela Seleção Brasileira, somando 10 anos vestindo a camisa verde e amarela. Em 2011, quando disputava o Campeonato Brasileiro pelo Farrapos, o pilar chamou a atenção de experientes jogadores do Brasil, e foi convocado pela primeira vez, dois anos depois de ter conhecido a modalidade.
Posteriormente, Jardel foi indicado como atleta revelação. Em outubro, participou de um “camp” em São José dos Campos, vestindo pela primeira vez as cores do Brasil. Nos treinamentos, o jogador se destacou e conquistou uma vaga na lista para a sua primeira competição, que ocorreu em Dubai, nos Emirados Árabes. Apesar da convocação, Jardel viajou, mas não teve a oportunidade de entrar em campo.
Em 2012, quando iniciou a parceria entre a Confederação Brasileira de Rugby (CBRu) e os Crusaders, tradicional clube da Nova Zelândia, Jardel foi novamente convocado, desta vez para atuar no Sul-Americano de Rugby, no Chile. “Tinha outros caras bem antigos jogando, mas fomos para o primeiro jogo e eu sai já de titular. Depois daquilo eu joguei todas as partidas e fui titular. A primeira vez que fiquei no banco foi em 2017, contra o Paraguai, quando havia me machucado, mas o Brasil necessitava de um pilar”, relata.
Jardel empilhou convocações também na “era Rodolfo Ambrosio”. “Peguei várias experiências com diversos treinadores e isso só agregou conhecimento de jogo, de vida, e de todas essas questões que envolvem o rugby”, ressalta.
Em sua carreira na Seleção Brasileira, Jardel fez parte de momentos históricos do rugby brasileiro, dentre eles a conquista inédita do Sul-Americano de Rugby. Conforme o jogador, o título foi um dos momentos mais importantes em sua passagem pelos Tupis, mas houve um capítulo ainda mais impactante na sua carreira: “Quando você começa a jogar, você olha vídeos dos All Blacks jogando e você ter a oportunidade de jogar contra os caras, isso foi surreal. Ninguém em sã consciência imaginaria que isso seria possível”, comenta Jardel, que complementa:
“O melhor de tudo foi fazer o jogo que foi contra os Maori All Blacks. Nas projeções todos falavam que iríamos sofrer mais de 100 pontos, ninguém acreditou. Você olhar na TV o Haka é muito louco, mas eu vi na minha frente, vi os caras me olhando feio e eu senti uma energia tão forte, assim como todo o time, e foi o que contribuiu para aquela performance que tivemos no jogo. E no scrum, jogar os caras do Super Rugby para trás daquele jeito e eles, após o jogo, te cumprimentando por isso, te elogiando, foi muito marcante. Sou muito grato e muito feliz por poder ter participado desses momentos”, pondera o jogador alviverde.
A prova do seu legado pode ser resumida em uma das camisas confeccionadas por uma empresa de material esportivo em sua homenagem, na qual aparece o nome do pilar e de outros atletas que marcaram uma geração na Seleção Brasileira. O seu desempenho representando o seu país dentro de campo por todos esses anos o tornou uma grande referência para os jovens atletas que almejam alcançar o mesmo sonho de vestir a camisa verde e amarela.
Além disso, um dos maiores legados que Jardel deixa para a Seleção Brasileira é justamente a marca dos Tupis: a evolução do scrum, que conquistou holofotes pelo mundo. “Nunca pensei em ser marca de nada ou uma referência. Sempre pensei em fazer meu trabalho. Quando cheguei na seleção era bem ciente das limitações técnicas, pois tinha aprendido a jogar rugby já adulto, então eu sempre me esforcei para fazer o simples e bem feito. Acho que tudo foi consequência do trabalho”, explica.
A construção de uma marca:
Jardel, ao longo de sua trajetória, foi uma das peças fundamentais para a construção da principal marca do rugby brasileiro: o scrum. “Lembro que veio um treinador da Nova Zelândia e nos perguntou que se olhássemos para o rugby no Brasil, qual era nossa marca? Jogo de mão, a defesa? Não tínhamos uma marca, e precisávamos disso. E acho que com nosso scrum conseguimos isso. Chegaram os jogadores certos, chegou um treinador que gostava do scrum, então teve uma conexão e se trabalhou para criar uma marca. Hoje quando falam do jogo do Brasil os caras vão falar do nosso scrum, que já fez frente à Geórgia, mundialmente conhecida pelo seus forwards, contra os quais combatemos de igual para igual”, comenta.
Depois de anunciar a sua aposentadoria, Jardel se surpreendeu com o carinho e a admiração de atletas de diversas partes do país, que o felicitaram pela trajetória com a camisa do Brasil. “A quantidade de mensagens de pessoas dizendo que se espelham em mim, que queriam jogar comigo. Cara, eu não esperava tudo isso e chorei já algumas vezes lendo mensagens de carinho. Eu não imaginava a quantidade de gente do Brasil mandando mensagem, do Mato Grosso, Amazônia, do Nordeste escrevendo, os caras da antiga do Brasil que jogavam na década de oitenta. É de arrepiar”, relata Jardel, emocionado.
Um espelho para as futuras gerações
Não é de hoje que os ânimos inflam quando Jardel entra em campo pelo Farrapos. O experiente pilar conta com a admiração dos jovens atletas que sonham conquistar um espaço na Seleção Brasileira. Através de seu legado, Jardel se tornou, sobretudo, um espelho para as futuras gerações do rugby nacional.
“Eu amo estar com a molecada e poder ajudar. De vez em quando eu acho até que eles ficam com receio em conversar comigo. Mas o que digo para essa gurizada é que primeiro de tudo é acreditar e treinar muito, treinar o físico, ter uma cabeça boa e confiar nos treinadores. Faça as coisas simples e bem feitas. Se você fizer isso você já vai ser um atleta diferenciado”, destaca.
Apesar de sua aposentadoria na Seleção Brasileira, Jardel Vettorato, além de continuar atuando pelo Farrapos, almeja ajudar o rugby a crescer no país, porém, desta vez, auxiliando fora das quatro linhas. "Vou tentar ajudar de todas as maneiras a passar o que eu sei para os mais novos e para que a gente possa ter vários outros “Jardeis” por aí, pessoas melhores do que eu fui e assim a gente vai melhorando o nosso âmbito nacional para pensar em um dia estarmos na Copa do Mundo e vibrarmos pelo rugby do nosso país”, conclui.
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