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Projeto no Senado sugere criação do Bolsa Estupro e direito à paternidade ao estuprador

Iniciativa do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) é vista pelos movimentos feministas como uma ofensa aos direitos das mulheres.

Marcelo Dargelio
Por: Marcelo Dargelio Fonte: Divulgação
26/03/2021 às 11h33
Projeto no Senado sugere criação do Bolsa Estupro e direito à paternidade ao estuprador

Um projeto de lei proposto pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) em dezembro do ano passado, que cria o Estatuto da Gestante, e está em tramitação no Senado, vem causando indignação de movimentos que defendem os direitos das mulheres. O texto do PL 5435/2020 prevê “o direito à vida desde a concepção”, uma forma de dificultar o acesso ao aborto legal no país. Além disso, o projeto de lei propõe um auxílio para mulheres grávidas em razão de violência sexual, ideia que já foi sugerida em outras propostas e ficou conhecida como “bolsa estupro”. Segundo a proposta inicial, o Estado deve pagar à mulher um salário mínimo até que o filho complete 18 anos ou o estuprador pague a pensão alimentícia. O estuprador ainda teria direito à paternidade e a mãe seria proibida de “negar ou omitir tal informação ao genitor".

Em fevereiro deste ano, o senador disse em entrevista ao portal de notícias do Senado que "nenhuma proposta favorável à prática de aborto será aprovada pelo Congresso Nacional." Ele ainda assumiu que a PL 5.435/2020, "pode ajudar a pôr um ponto final na discussão sobre o assunto no país, ao criar o Estatuto da Gestante e resguardar os direitos da gestante e a vida da criança."

O assunto ganhou repercussão nas redes sociais por meio da hashtag #GravidezforçadaÉTortura. Isso depois que a matéria ganhou relatório favorável da senadora Simone Tebet para votação esta semana. Nesta terça-feira (23/03), após pressão feita pelo movimento de mulheres, a senadora disse que vai excluir "bolsa-estupro" e restrição a aborto legal do projeto de Estatuto da Gestante. No site do senado, 53.716 pessoas votaram contra a proposta até às 18h. Entretanto, conforme especialistas, o parecer não impede a votação. A senadora apenas antecipou uma mudança.

Entenda os pontos do projeto 

No documento de oito páginas, chama a atenção o fato de o senador descrever pontos que já são previstos em leis, como o atendimento pelo SUS, políticas públicas de assistência social, pensão alimentícia e proteção da criança. Especialistas apontam que não há necessidade de criar uma nova lei para tratar desses assuntos. "A única conclusão possível é a de que esses direitos foram colocados no projeto novamente para 'florear' o ataque a mais um direito das mulheres: o aborto legal", aponta Melissa Santana, advogada do projeto Não Era Amor, especialista em Direito das Mulheres.

Para Camila Rufato Duarte, advogada, ativista da causa feminista e co-fundadora do Direito Dela, o principal ponto, que faz desta PL um retrocesso nefasto, é o fato de ela ser estritamente fruto de conservadorismo e não de uma análise social e de saúde pública que é como dever-se-ia tratar o aborto. A advogada destaca que a redação do PL é confusa. "Creio que isto não é acaso, mas uma forma de abrir brechas para interpretações ainda mais absurdas" no futuro. 

São três as situações em que o aborto é legalizado no Brasil.  Além da gravidez que decorre do estupro, a intervenção pode ser realizada quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou o feto é anencéfalo.

Mulher vítima de estupro perde o direito ao aborto

Melissa explica que o art. 1º diz que a vida do feto deverá ser garantida desde a concepção, enquanto o art. 8º proíbe que “particulares causem danos à criança por nascer em razão de ato ou decisão de qualquer de seus genitores”, o que, traduzido para uma linguagem leiga, significa que médicos ficam proibidos de realizar o aborto.

Camila ainda pontua que a utilização de "criança por nascer" é mais uma forma de reforçar a reprovabilidade do aborto induzindo a compreensão de que estar-se-ia matando uma criança. "Se aprovado, o art. 8º entrará em conflito com o Código Penal, que garante o direito ao aborto em caso de gravidez resultante de estupro (art. 128, inciso II). Isso pode gerar muita confusão, porque existirão duas leis válidas, mas contraditórias. Não haverá segurança jurídica", acrescentou a advogada.

Na visão de Camila, a afirmação ''se a mulher for estuprada, não pode abortar’’ não se sustenta – pelo menos não juridicamente –, uma vez que o Código Penal prevê em seu Art. 128 que não se pune o aborto quando a gravidez for resultante de estupro. "O PL 5435, caso se torne lei, não teria o condão de impedir a aplicabilidade do chamado 'aborto legal', no entanto, iria, sem dúvidas, coibir o aborto autorizado por lei", afirmou. 

O direito à paternidade ao estuprador 

As advogadas chamam a atenção para ponto gravíssimo à paternidade do estuprador. No projeto, a intenção é “obrigar” o genitor a cuidar do feto e também da gestante (art. 4º, §2º), e garantir que ele, além de pagar a pensão alimentícia, tenha o direito de conviver com a criança após o nascimento (art. 10º).

"Porém, quando a gravidez é resultante de estupro, esse genitor é o estuprador. Isso é absurdo, surreal, inaceitável. O legislador desconsiderou absolutamente qualquer consequência do estupro para a mulher. Relevou os traumas que ela pode sofrer. Ignorou que estupro é um crime hediondo e uma grave violação aos direitos humanos da mulher", afirma Melissa.

Já na visão da advogada Camila, o direito à paternidade ao estuprador deveria ser algo impensável, uma vez que se trata de um agressor. Mas o art. 10º do PL desconsidera todo o sofrimento da vítima de estupro e objetiva forçá-la a ter que, além de lidar com as lembranças e os danos psicológicos da violência, conviver com seu abusador. "É um absurdo sem precedentes", pontuou. 

Articulação de Mulheres Brasileiras on Twitter: ""BOLSA ESTUPRO NÃO! Não queremos auxílio, queremos DIREITOS. Obrigar uma pessoa estuprada a ter filhos não é proteção, é violência! #GravidezForçadaÉTortura #ForaPL171"… https://t.co/AmixI4V0XV"

"Bolsa estupro": a criança ganha auxílio 

Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o projeto propõe é de que o Estado arque com os custos respectivos de um salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, "ou até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento", afirma o senador, na justificativa da proposta.

Melissa aponta que quanto ao benefício para a criança, já consegue imaginar as acusações: “mentiu que foi estuprada só para ficar com o dinheiro”; “saiu com essa roupa e bebeu todas só pra ser estuprada, porque sabia que ia ganhar dinheiro depois”.

"Se hoje as vítimas de estupro já são tão desacreditadas, imagina se houver uma “bolsa-estupro”? E que provas serão exigidas para a concessão do benefício, já que esse é um crime geralmente sem testemunhas e com poucas provas? Como encontrar o estuprador para fazer um teste de DNA? A que humilhações essa mulher terá que se submeter para receber o benefício?", questionou.

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Luciana dos santosHá 4 anos Nova Prata RSQue absurdo
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