Mais do que vizinho do Lago Fasolo há seis décadas, seu Antônio Francisco de Paula Filho é um verdadeiro guardião do local. Mesmo prestes a completar 73 anos, ele ainda faz o que está ao seu alcance para manter a área limpa, ainda que não consiga resolver sozinho o conhecido problema que resulta na poluição do lugar, que é, sobretudo, o despejo de esgoto residencial diretamente na água.
Na semana passada, a exemplo do que tem ocorrido todos os anos, ele ajudou na retirada de mais de 150 quilos de peixes mortos e voltou a lamentar a falta de ação dos órgãos públicos para evitar situações como essa – e cobrou, também, uma união maior da comunidade do bairro Progresso na busca por uma solução definitiva. "Os prefeitos vão entrando e empurrando um para o outro. Tem que resolver de uma vez, o povo está esperando. Tem que ter pulso firme e tomar uma decisão", afirma.
Ali, praticamente ao lado da casa em que ele vive com a esposa, Joana D'arc Schenato de Paula, e o filho, Tiago de Paula, até foi construída uma pequena caixa coletora, para a qual os efluentes foram direcionados por meio de um cano externo de PVC, ainda em 2008. Funcionou poucos meses: os detritos começaram a voltar para dentro das moradias, invadindo banheiro e outros cômodos. Com a condição agravada, restou aos próprios moradores romper a tubulação para que os dejetos parassem de invadir as residências.
Distante poucos metros desta caixa, foram instaladas duas bombas que seriam as responsáveis por impulsionar o esgoto para a rede pluvial da rua Pedro Rosa. Uma delas segue lá, submersa; a outra foi furtada. Nos últimos anos, o tema até voltou a ser debatido com as famílias, mas apenas para renovação de projetos e promessas, sem nenhum encaminhamento efetivo. O último encontro ocorreu em maio de 2019, organizada pela própria Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que em 2013 chegou a ficar responsável por regularizar a captação e a destinação deste esgoto.
Nas bastasse o derrame direto, ainda há outros pontos acima – mais próximos à rua Benjamim Pozza – em que aparentemente também há o escoamento a céu aberto de detritos, que acabam descendo a encosta por entre as casas e, inevitavelmente, chegam ao lago.
Parque de lazer
Seu Antônio também cobra respostas sobre a possibilidade de construção de um parque junto ao lago, que nunca mais foi debatida. Segundo ele, essa ação poderia contribuir para a preservação e para evitar a presença indesejada de alguns frequentadores do mato ao redor, onde é comum a presença de usuários de drogas, que chegaram a morar em um acampamento improvisado. "O projeto que foi feito, onde é que foi parar? Eu gostaria muito de ver isso sair do papel, com o lago limpo, o passeio ao redor. Daria até para construir uma rua aqui, que foi outra coisa que disseram que iam fazer", relembra, apontando para uma ponta do lago, onde, com um aterramento, poderia ser feita uma ligação viária com a Pedro Rosa.
Ainda bastante ativo, ele lembra de um período recente em que, com um barquinho emprestado, retirava do lago as marrequinhas, plantas que cobrem a superfície da água e prejudicam a sobrevivência dos peixes. Nos verões, o cenário tem sido outro, ainda mais desolador. "O cheiro de peixe morto é insuportável, não dá nem para ficar aqui perto. Esses dias, ajudei a tirar carpas de seis, sete quilos, que morreram. É sempre assim em janeiro, fevereiro e março. Se eu tivesse de novo um 'caíco', eu continuaria limpando. Mas deixar isso desse jeito, sem fazer nada, é um crime", desabafa. Cascudos e jundiás são outras espécies que também aparecem boiando nessa época.
Auxílio das redes sociais
Para ajudar nesse alerta às autoridades, o filho, Tiago de Paula, criou uma página no Facebook onde expõe o atual estágio em que se encontra o lago e também compartilha reportagens antigas que evidenciam como esse problema vem sendo tratado ao longo dos últimos anos. "As pessoas precisam ver o que acontece. Quanto mais compartilharem, quantos mais elas falarem disso, melhor", afirma, em sua luta ao lado do pai e da mãe para que o assunto não caia no esquecimento.
O que dizem a Corsan e a prefeitura
O gerente da Corsan em Bento Gonçalves, Marciano Dal Pizzol, diz que um dos obstáculos para levar adiante a resolução do caso é o fato de o lago ser uma propriedade particular. "Houve diversos encontros com a prefeitura e Ministério Público. A Corsan apresentou o projeto à prefeitura para que fosse executado com recursos do Fundo Municipal de Gestão Compartilhada. O entrave burocrático da questão se deve pelo fato de que o Lago Fasolo é área privada. Em tese, não seria responsabilidade do Poder Público realizar o tratamento do esgoto do lago. O MP está ciente da situação", aponta.
A prefeitura de Bento ainda não havia se manifestado oficialmente até a publicação desta reportagem. Assim que o Executivo der retorno aos questionamentos enviados através de sua assessoria, o texto será atualizado.
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