O chimarrão nosso de cada dia pode não ser mais o mesmo em um futuro bem próximo. A erva-mate, tão tradicional na cultura do Sul do Brasil, deve ganhar versões com alto teor de cafeína e até mesmo descafeinada. As novas cultivares são desenvolvidas por meio de seleção genética no centro de pesquisas de Florestas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Colombo, na região de Curitiba. A expectativa é que os novos produtos cheguem ao mercado em três a cinco anos.
O trabalho começou ainda em 2005, com a análise da composição química da erva-mate. Basicamente constatou-se que são dois os principais grupos de moléculas: as metilxantinas (cafeína e teobromina), responsáveis pelo caráter estimulante da erva; e os compostos fenólicos totais, que atuam como antioxidantes, além de atribuir adstringência, amargor, tonalidade, gosto, aroma e estabilidade oxidativa do produto. “Descobrimos que de 75% a 85% da presença de cafeína é definida pela genética, enquanto os antioxidantes dependem do ambiente – clima, sol e sombra”, explica o engenheiro florestal Ivar Wendling, pesquisador da Embrapa Florestas.
Com base nisso, a equipe passou a selecionar cultivares com mais e menos cafeína até chegar a versões com alto teor e outras livres do composto. Como estimulante, a cafeína proveniente da erva-mate tem uma vantagem em relação ao similar obtido de outras fontes. “Em função da interação com os antioxidantes, a cafeína da erva-mate pode permanecer de seis a oito horas no organismo, enquanto a do café ou do guaraná dura apenas duas horas”, diz Wendling.
Nesse sentido, os cultivares com alto teor do composto teriam grande demanda, particularmente nos mercados norte-americano e europeu, em bebidas ou cápsulas energéticas, prevê o pesquisador. Já a versão descafeinada serviria ao público com doenças cardiovasculares graves, gastrite, úlceras, enxaqueca ou insônia, que não podem consumir o composto, mas que apreciam o sabor do mate. No momento, a pesquisa está em fase de avaliação das cultivares em campo, com plantios no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Na sequência, precisa passar pelas fases de comprovação das composições químicas diferenciadas.
Enquanto isso, os pesquisadores avaliam a chegada do produto no próximo elo da cadeia: a indústria. Em sua tese de doutorado, a engenheira florestal Manoela Mendes Duarte, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), analisou a interferência do processo de tostagem da erva-mate em sua composição química. Embora consumido in natura na forma de chimarrão e tererê, típicos no Sul do Brasil, a planta é tostada para a fabricação do chá mate, principal forma de consumo do produto no restante do país.
Os testes mostraram que a tosta reduziu, em média, em 32% a cafeína nos genótipos estudados, 22% os compostos fenólicos totais e em 19,5% a atividade antioxidante. “Vamos estudar outros métodos de secagem para que, quando os produtos forem lançados, haja alternativa à forma tradicional”, diz Wending, orientador de Manoela. Entre os processos que já se percebeu interferirem menos na composição química da planta estão o freeze drying, um tipo de secagem a frio, e a tostagem por meio de microondas. “A ideia é fechar todo o ciclo.”
Opinião de consumidores
Os pesquisadores não deixaram de fora a opinião dos consumidores em relação às versões de chá mate com alto teor de cafeína e descafeinada. Em um experimento recente, 220 pessoas participaram de uma avaliação no Mercado Municipal de Curitiba. O estudo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Pequeno Príncipe, foi conduzido pela pesquisadora da área de Análise Sensorial Rossana Catie Bueno de Godoy.
Foram selecionadas duas amostras-controle (comerciais) e 11 genótipos clonais diferentes de erva-mate, sendo cinco descafeinados e seis cafeinados. No primeiro teste, cada consumidor avaliou cinco chás descafeinados e duas amostras comerciais. No segundo, foram submetidos ao teste os seis chás cafeinados, além das amostras comerciais.
Ao fim dos experimentos, dois genótipos descafeinados tiveram bom desempenho e, entre os cafeinados, outros dois se destacaram. Em ambos os casos, o material em desenvolvimento pela Embrapa Florestas foi avaliado como igual ou superior aos produtos comerciais. De maneira geral, os chás descafeinados tiveram melhor aceitação do que os cafeinados. "“O que queremos é melhorar um produto que já é amplamente apreciado pelos consumidores, com o incentivo a plantios direcionados a esse mercado, com as cultivares apropriadas, e apoiar as indústrias no desenvolvimento de novos produtos”, diz Wendling.
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