O Superior Tribunal Eleitoral (TSE), em decisão histórica, aprovou a medida correspondente ao financiamento proporcional para candidatos negros nas eleições. A regra promete aumentar a porcentagem de representatividade do negro na política e colaborar com o combate ao racismo. A medida já é válida para as próximas eleições municipais, que ocorrem em novembro.
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Inicialmente, a regra estava prevista para ser colocada em prática apenas em 2022, porém o ministro do Superior Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski determinou que a medida deve ser aplicada ainda em 2020, alegando que não implicaria em qualquer alteração das “regras do jogo” em vigor, contrariando a decisão do TSE.
A regra, que é distinta do que são as cotas eleitorais, visa a distribuição proporcional do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário de acordo com o percentual de candidatos negros. O mesmo vale para a divisão do tempo de propaganda em rádio e TV do horário eleitoral gratuito, que também deverá respeitar a proporcionalidade.
24,4% dos deputados eleitos em 2018 são negros (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Na prática, se entre os candidatos homens de um determinado partido 30% for de negros, esse grupo deverá ser contemplado com 30% dos recursos destinados pela legenda para a campanha eleitoral das candidaturas masculinas. O mesmo ocorre para as candidatas negras, não alterando a regra já existente da obrigatoriedade legal de que, no mínimo, 30% das candidaturas sejam do gênero feminino.
Na última eleição da Câmara dos Deputados, estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito, mencionado pelo ministro do STF Luis Roberto Barroso, verificou que as mulheres negras, que representavam 12,9% das candidatas, receberam 6,7% dos recursos. Já as candidatas brancas, que eram 18,1%, receberam o financiamento de forma proporcional, ou seja, 18,1%. A mesma assimetria ocorreu nas candidaturas masculinas.
Dentre as evidências da sub-representação estão os números das últimas eleições, seja de 2016 como de 2018. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas 7,6% dos candidatos eleitos no Rio Grande do Sul em 2016, seja no Executivo ou no Legislativo, eram negros.
Nas eleições de 2018, em todo o país, embora fossem 47,6% do total de candidaturas, 27,9% dos concorrentes negros foram eleitos. De acordo com os números divulgados no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra no Brasil é majoritária, correspondendo a 55,8% do total do índice demográfico do país.
Em Bento Gonçalves e nas cidades vizinhas, em levantamento realizado pela reportagem, constatou-se que somente dois candidatos negros ocuparam cargos eletivos na história eleitoral de seis municipios serranos.
“É uma medida de combate ao racismo institucional”, afirma integrante da Educafro
A ONG Educafro — Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes —fez parte da consulta ao TSE em prol da medida. “Primeiro devemos entender que essa é uma medida de combate ao racismo institucional. Historicamente, os partidos destinaram mais verbas aos candidatos brancos do que aos negros. Infelizmente, a cor de pele sempre foi determinante para ser ou não eleito. A divisão de recursos partidários é também, muitas vezes, a escolha de quem será ou não eleito”, analisa o coordenador do coletivo político Engaja Negritude da Educafro, Davi D’Ávila Souza.
Educafro realizou a consulta junto ao STF que fez com que a meida fosse válida já para 2020 (Foto: Educafro)
Para Davi, apesar da medida, que até o momento é válida para as eleições de 2020, as mudanças serão percebidas nos próximos pleitos. “Essa medida é em longo prazo. A mudança se dará daqui a algumas eleições. Mudanças profundas demoram a acontecer no Brasil, mas, com certeza, essa inicia nas eleições deste ano e se solidifica nas próximas”, opina.
A medida, de acordo com o integrante da ONG Educafro, trará maiores condições de eleger pessoas negras, uma vez que a divisão será mais justa. De acordo com ele, não se pode naturalizar que pessoas negras estejam nas piores condições sociais e ver que essa mesma população não é representada nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.
“O racismo é um fator determinante na estrutura de relações que temos no Brasil. Deve ser combatido em todas as suas frentes. Por isso essa medida é tão importante, pois ela combate o que determina e sempre determinou a política brasileira: o racismo institucionalizado”, comenta Davi.
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