A Disney anunciou recentemente a criação de seu novo filme, uma produção em live-action (filme realizado por atores reais) que terá como personagem principal uma princesa africana. Sadé será uma história inspirada no conto dos roteiristas Ola Shokunbi e Lindsey Reed Palmer.
Na trama, a princesa Sadé vê seu reino ameaçado por uma força maligna. Ela descobre, então, que é na verdade uma princesa guerreira, com poderes mágicos capaz de proteger a si mesma e ao seu povo. Ela embarca assim numa aventura para salvar seu reino.
De acordo com a Disney, ainda não é possível dizer se o filme chegará às telas de cinema ou se será transmitido somente no serviço de streaming da Disney. Também não há data confirmada para o lançamento da produção.
Por que ter uma protagonista africana é importante?
Mais do que uma nova produção da Disney, um filme que conta a história de uma protagonista africana é de grande importância para trazer a tona a questão da representatividade do povo negro na indústria audiovisual.
Um filme que coloque uma personagem africana em papel de destaque pode contribuir para que crianças negras se percebam refletidas nessa protagonista.
"Se ver em uma personagem possibilita que a criança negra tenha a sensação de pertencimento. Ela pode sentir que também pode ser uma heroína, vencer batalhas e obter conquistas", explica a psicóloga Leomaria Novaes, também militante do coletivo Brejo e integrante da Rede Dandara, organização formada por psicólogas negras.
Presenciar esse tipo de sentimento ainda na infância contribui para a formação da identidade e autoestima, proporcionando benefícios significativos na saúde mental infantil.
De acordo com a psicóloga Léa Arruda, "construímos nossa identidade com fatores da nossa história - a individual, familiar e social. Trazemos uma carga genética importante, e as vivências construirão nosso ser adulto.
É uma construção muitas vezes silenciosa, pois as crianças concluem coisas sobre si mesmas baseada em fatos ouvidos e expressões, nem sempre questionadas que lhe acompanharão para o resto de suas vidas".
Dessa forma, ter esse tipo de referência ajuda as crianças a se colocarem no mundo, a se perceberem dentro da sociedade.
"Eu vejo essa produção de forma positiva, pois ajuda a situar o local de pertencimento das pessoas negras, que vêm sendo colocadas em segundo lugar ao longo da história", explica a explica a psicóloga Leomaria Novaes, também militante do coletivo Brejo e integrante da Rede Dandara, organização formada por psicólogas negras.
De acordo com a co-fundadora da empresa AfroeducAÇÃO Paola Prandini , uma produção como o filme Sadé tem grande importância. "É necessário desconstruir o racismo em todos os espaços e a grande mídia também precisa cumprir essa tarefa", pontua.
Uma cena comovente que exemplifica a força da representatividade é a de um vídeo que mostra crianças de uma escola nos Estados Unidos comemorando a notícia de que iriam assistir ao filme Pantera Negra.
O longa produzido pela Marvel é o primeiro filme de um super-herói negro, que conta com um roteiro potente e um elenco formado por atores negros.
Representatividade negra é fundamental
Poder ver pessoas negras tendo papel de destaque em grandes produções não é um detalhe, é um ponto fora da curva. Isso porque a indústria cinematográfica, assim como diversas outras esferas da sociedade, dificilmente privilegiam atores e produções voltadas para esse público.
Para se ter uma ideia, na edição do Oscar de 2015 não haviam atores negros ou orientais entre os concorrentes. Após a revelação dos indicados a hashtag "OscarSoWhite" ("Oscar tão Branco", em tradução livre) passou a ironizar a premiação.
Episódio do Oscar de 2015 mostrou não apenas uma falta de valorização do trabalho de atores negros, como também uma falta de oportunidade de papéis direcionados a pessoas negras.
Sendo assim, filmes como Pantera Negra e Sadé mostram que, provavelmente pela dor, a indústria cinematográfica parece estar reconhecendo e tentando de alguma forma reverter a situação ao escalar atores negros para suas produções.
Quando nos referimos a uma produção da Disney, esse significado tem um outro peso. Quem acompanha as produções do estúdio sabe que, em sua maioria, as princesas protagonistas são brancas, com cabelos lisos e olhos claros.
É importante lembrar que essas personagens possuem um papel que vai além da esfera audiovisual e tornam-se ícones de identificação do público infantil.
Logo, quando uma criança negra assiste a uma produção da Disney e não consegue encontrar um personagem que se assemelhe a ela, esse tipo de descoberta pode afetar diretamente sua autoestima.
"A falta de representatividade faz com que as crianças negras não se vejam como parte do âmbito social. Isso acaba acarretando em um não gostar de si, pois entende que o fato de não ver o seu reflexo em um personagem significa que ela não existe", ressalta a psicóloga Leomaria.
Quanto menos representatividade, mais racismo
As população negra é a mais prejudicada com a falta de representatividade. No entanto, a sociedade como um todo é prejudicada quando pessoas negras não têm a possibilidade de ocupar os lugares que lhes são de direito.
"A falta de representatividade diminui a oportunidade de a sociedade discutir e combater o racismo", explica Leomaria.
"A neurose social, onde as pessoas são classificadas pela cor da pele, nacionalidade, poder aquisitivo, mantém uma população que exclui e que também se exclui do desenvolvimento no mundo. Quando não nos ajudamos, não progredimos", explica Léa.
A forma como as pessoas negras são representadas hoje no meio audiovisual reforça isso, uma vez a inclusão de personagens negros ocorre hoje, na maioria, em funções inferiorizadas, como empregadas domésticas, faxineiros, zeladores ou motoristas.
"Desde o tempo das senzalas as pessoas negras ocupam o lugar de servir e algumas produções ajudam a reforçar o espaço que a sociedade", enaltece Leomaria.
Vale ressaltar que realizar esse tipo de trabalho não é motivo para ninguém ser depreciado, mas sempre colocar pessoas negras nessa posição contribui para reforçar o racismo, dando a impressão de que a população negra só pode ocupar esse lugar na sociedade.
Como resultado, as crianças crescem desencorajadas a contribuir com sua inteligência e criatividade em âmbitos como a ciência ou o mundo administrativo.
"O dia que houver o entendimento de que as pessoas, todas, possuem capacidades e valores, nossa sociedade será mais justa".
Ainda é cedo para dizer como será o filme Sadé. Mas saber que um estúdio que tem a maioria das suas produções com personagens brancos ocupando o lugar de protagonistas, finalmente vai retratar uma personagem africana como princesa e heroína contribui para trazer visibilidade de crianças e adultos negros.
Como os pais podem nutrir a autoestima das crianças negras
Diferentes elementos são capazes de construir a autoestima de uma criança. O incentivo saudável dos pais e educadores é um pilar importante para trazer a noção de valor e pertencimento para os pequenos.
De acordo com Leomaria, é importante que as crianças negras tenham contato com realidades que proporcionem essa identificação a elas.
"Mostrar desenhos que tenham personagens negros, brinquedos como bonecos, livros de literatura infantil, exposições e peças de teatro são formas de colocar a criança em contato com personagens de sua cultura".
Elogiar e valorizar as características físicas da criança também é uma forma de fazer com que ela se ame do jeito que é.
"Infelizmente ainda existem muitas pessoas negras que não se amam do jeito que são, querem alisar o cabelo". De acordo com Leomaria, é preciso que os pais mostrem que crianças negras são lindas do jeito que são.
A seguir você encontra algumas obras que podem ajudar a aumentar o sentimento de representatividade em crianças negras:
Desenhos
Doutora Brinquedos: na trama a pequena Dottie McStuffins, uma menina de 6 anos, cuida de seus brinquedos como se fossem pacientes. Em suas aventuras, bonecos e bichos de pelúcia ganham vida e trazem lições existenciais valiosas. O desenho pode ser assistido no Netflix
Milly e Molly: esse é mais um desenho que pode ser um exemplo de representatividade para crianças negras. A série conta a história de duas amigas inseparáveis e suas aventuras. Inspirado nos livros da escritora Gill Pittar, Milly e Molly é uma produção do Canal Discovery Kids
Meu Amigãozão: nessa divertida história, cada um dos protagonistas representa uma etnia diferente. Lili é negra e Yuri indígena, juntos eles embarcam em diferentes confusões ao lado de seus amigãozões, como um elefante azul e uma girafa rosa. A série pode ser assistida no Canal Brasil
Livros
Menina bonita do laço de fita: considerado um dos livros mais importante da literatura nacional, a obra conta a história de um coelhinho branco que busca ficar pretinho igual à menina do laço de fita. O livro foi escrito por Ana Maria Machado e foi publicado pela editora Ática
Lulu Adora Histórias: a pequena personagem Lulu gosta muito de livros e sempre que vai junto com seu pas à biblioteca de seu bairro. Juntos eles escolhem livros que serão lidos antes de a pequena dormir. Esse livro é mais um exemplo de representatividade para crianças negras. O livro foi publicado pela Pallas Editora
Obax: Obax é uma menina que acredita ter visto uma chuva de flores em sua aldeia. Só que o local em que ela vive é árido, o que deixa seus pais e amigos confusos. A pequena, então, parte em uma aventura para provar a todos que o que viu era verdade. O livro foi publicado pela Editoria Brinque-Book
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